Elis & Tom : Momento mágico
SÉRGIO AUGUSTO
O documentário Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você é mais que um sucesso unânime de crítica e público, é uma estesia coletiva, uma louvação em cadeia.
Sai todo mundo encantado e mais leve da projeção, o olhar úmido, a certeza de que já fomos mais felizes, mesmo debaixo de uma ditadura, justo em seu período mais tenebroso, pois ainda contávamos com Tom, Elis, Aloysio de Oliveira e André Midani, os artífices desse projeto musical que nasceu presente de aniversário (pelos dez anos de contrato de Elis com a Philips), perenizou-se como um encontro histórico de incomparável grandeza, até virar o filme em cartaz, cuja existência devemos, acima de tudo, ao produtor musical Roberto de Oliveira, que tudo bolou, articulou e registrou em película, por ele entesourada durante 48 anos.
Já existia uma dezena de interpretações de Águas de Março quando Elis e Tom começaram a gravar a sua versão a duas vozes, nos estúdios da MGM, em Los Angeles, entre 22 de fevereiro e 9 de março de 1974. Só agora, ao assistir ao filme, percebi haver perdido a chance de testemunhar e, evidentemente, curtir adoidado as filmagens, até porque, a empunhar a câmera estava meu irmão de jornalismo e cinema, Fernando Duarte.
Embora na época hospedado em Los Angeles, a desentediar um ano sabático com alguns frilas para o Pasquim e Veja, não sabia que Elis, Tom & cia estavam na cidade, metidos em algo que, na menor das hipóteses, me proporcionaria uma boa reportagem. Ah, o banquete que eu perdi! Não falo das rusgas internas, o mais palpitante leitmotif do filme, mas do entra e sai de amigos e penetras (Eydie Gormé, Eumir Deodato, etc.) durante a gravação do álbum, com mais seis faixas além de Águas de Março e Só Tinha de Ser com Você (de Tom e Aloysio de Oliveira).
Pena, pois teria arredondado um ciclo, iniciado dois anos antes, quando, a convite do violonista Eduardo “Susto” Ataíde, assisti ao début discográfico de Águas de Março, num estúdio de gravação no bairro carioca de Botafogo, em 30 de março de 1972.
O cantor e compositor Sérgio Ricardo propusera ao Pasquim uma coleção de compactos (O Som do Pasquim) encartados numa revistinha: singles batizados de “Disco de Bolso”, com um autor consagrado no lado A e um novato na face B. Tom abriu a coleção com Águas de Março, novinha em folha; do outro lado, Agnus Sei, parceria de João Bosco com Aldir Blanc.
Acompanhado por quatro flautas (Bebeto, Paulo Guimarães, Paulinho Jobim, Franklin Corrêa), Novelli (no baixo), João Palma (bateria) e Ataíde (violão), Tom nos introduzia ao que muitos consideram sua magnum opus. Inesquecível a aisance com que ele, generosamente, alterou, no estúdio, seu arranjo, para não deixar de fora um dos flautistas, trazido ao estúdio como eventual tapa-buraco. Não me contaram, eu vi.
Chamar Tom só de gênio é pouco para avaliar toda a sua dimensão.
ESTADÃO