Documentos mostram como EUA interferiram no Chile antes mesmo do golpe
Sylvia Colombo
"Se o Brasil não entregar ao Chile agora os arquivos que possui sobre o golpe de Estado de 1973, quando o fará?" A pergunta é do historiador e pesquisador americano Peter Kornbluh, um dos maiores especialistas em ditadura chilena, cujo início completa 50 anos nesta segunda-feira (11).
Kornbluh, que trabalhou por anos no Arquivo de Segurança Nacional dos Estados Unidos, está em Santiago para vários dos eventos de memória relacionados ao golpe que vêm ocorrendo nestes dias. Além do lançamento de "Pinochet Desclassificado" (ed. Catalônia), uma reedição de sua investigação de 2003 com muitas informações novas em razão da recente liberação de uma série de documentos secretos relacionados ao tema pelos EUA, Kornbluh também apresenta "Operación Chile" (Chilevisión), um documentário baseado nessas descobertas.
No filme, fica muito mais claro o passo a passo da construção da ideia do golpe, que nasceu, na verdade, antes mesmo de Salvador Allende tomar posse, com reuniões ocorridas em Washington entre o então proprietário do jornal El Mercúrio, Agustín Edwards, com o presidente dos EUA à época, Richard Nixon, e seu secretário de Estado, Henry Kissinger.
Essas tiveram como objetivo encontrar uma maneira de impedir que Allende assumisse, mas acabaram falhando. Num desses encontros, planejou-se, por exemplo, o assassinato do general René Schneider, um constitucionalista que considerava que os militares deveriam respeitar o desejo expresso pela população nas urnas.
Segundo esse plano, matá-lo seria uma tentativa de levantar os ânimos de outros militares e da sociedade para que a posse de Allende fosse impedida. Mas a morte de Schneider, em 25 de outubro de 1970, não passou de uma tragédia que não teve a repercussão esperada. Allende tomaria posse em 3 de novembro de 1970.
"Agora temos bem claro e com muitos detalhes como começam esses quase 20 anos em que os EUA primeiro estimularam o golpe de Estado no Chile. Depois, foram mudando de opinião e começaram a exercer todo tipo de pressão para que Pinochet saísse do poder, nos anos 1980", conta Kornbluh à coluna.
Esse esforço dos EUA para colocar fim à ditadura chilena começou a crescer depois de alguns abusos do regime que demonstravam que a violência do Estado havia saído de controle. O primeiro deles foi o assassinato do diplomata Orlando Letelier em Washington, em 1976.
Depois, veio a crise econômica que o regime não soube controlar, com desabastecimento e alta inflação —estatísticas demonstram que o aclamado "modelo chileno" neoliberal para a economia começou a ruir apenas alguns anos depois do golpe de Estado.
Outro episódio que ajudou a mudar a atitude dos EUA com relação ao Chile foi o assassinato do jovem fotógrafo Rodrigo Rojas, ao qual o Exército ateou fogo durante uma manifestação. Rojas tinha 19 anos e era residente dos EUA.
No documentário, vê-se como Pinochet tentou resistir à ideia de sair do poder mesmo depois de ter sido derrotado no plebiscito de 1989. O ditador pediu que os oficiais mais próximos dele assinassem um compromisso determinando sua permanência no comando, mas os militares, pressionados pelos EUA, recusaram a solicitação. "Ele dizia: 'jamais vou sair'. É equivocada essa versão que diz que ele respeitou as urnas e entregou democraticamente o poder. Sua ideia nunca foi essa", afirma Kornbluh.
O estudioso reforça que todos os seus achados foram possíveis em decorrência da liberação de documentos secretos por parte do governo dos EUA. "Ainda há muito a descobrir nos arquivos militares da Argentina e do Brasil. É importante pedir que esses governos os entreguem ao Chile para que se descubra qual foi a participação real desses países no golpe chileno", afirma ele.
FOLHA