Aborto; Inquisição na berlinda
"Tique-taque, tique-taque… Após enxergar duas linhas vermelhas bem delineadas em três diferentes testes de farmácia, Alyce Pimentel* encarou a confirmação da gravidez inesperada como uma bomba-relógio prestes a mandar pelos ares seus planos de estudar na Europa, com os custos rateados por parentes e amigos. Tomando anticoncepcional e com um mioma uterino – condição que a impedia de ter filhos, na avaliação de seu ginecologista –, a jovem moradora de uma das maiores favelas de São Paulo não tinha a intenção de renunciar à conquista para ser mãe aos 25 anos.
Em desespero, Alyce procurou um farmacêutico amigo para ter acesso a um medicamento abortivo. As primeiras duas pílulas foram usadas, sem sucesso, 12 dias após o diagnóstico. Recorreu ao mesmo expediente quando a gestação estava prestes a completar três meses. Novamente, não surtiu efeito. Coincidiu com o término do namoro de dois anos a decisão de procurar no Google uma solução definitiva. Na impossibilidade de pagar 11 mil reais pelo procedimento em uma clínica que parecia ser mais confiável, optou por outra mais acessível, por pouco mais de um terço do valor.
Alyce jamais poderia imaginar os horrores que enfrentaria na sala secreta daquele consultório, onde uma enfermeira se encarregou de amarrar suas pernas e braços em uma mesa ginecológica. “Perguntei o porquê daquilo tudo, e eles disseram: ‘Ah, é para você não se debater no procedimento’”, recorda. A jovem adormeceu sob o efeito do sedativo e tomou um susto ainda maior ao despertar, com a visão turva. Em vez da equipe de jaleco branco, deparou-se com policiais armados. Todos foram presos em flagrante: o médico, a enfermeira, a recepcionista e uma amiga que a acompanhava."
LEIA REPORTAGEM DE MARIANA SERAFINI & CAMILA DA SILVA