Haddad não será amado pela Faria Lima se justa taxação de super-rico passar
LEONARDO SAKAMOTO
O professor Fernando Haddad criticou duramente o patrimonialismo brasileiro durante anos, quando o poder político e o econômico sentam-se à mesa para fazer negócios e comandar o sentido do Estado em seu benefício. Agora, o ministro Haddad se depara com a dificuldade de colocar o rico no imposto de renda, o que significaria uma mudança profunda nesse patrimonialismo.
Em entrevista a Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, nesta terça (18), o ministro da Fazenda afirmou que haverá resistência para aprovar a segunda parte da reforma tributária, que pretende mudar a taxação de renda e de riqueza. Na prática, fazer com que os super-ricos paguem proporcionalmente mais imposto que a classe média.
Na entrevista, Haddad citou os fundos offshore e exclusivos, usados por quem tem muito dinheiro para reduzir ou evitar a tributação. Mas não quis se aprofundar em uma das questões-chave, que é a taxação de dividendos recebidos por acionistas de empresas — isenta desde o governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, e fonte da maior parte da grana dos super-ricos.
Disse que "não vamos ter pressa em relação a isso", mas, ao mesmo tempo, não vai demorar porque "já tem muito estudo sobre esse assunto". Em outras palavras: o que falta é convencer o Parlamento.
Os super-ricos contam com uma representação na Câmara e no Senado muito, mas muito maior que sua proporção na sociedade, enquanto a classe trabalhadora está sub-representada. Isso sem contar os ricos que representam a si mesmos.
Esse grupo consegue ver ganhos com a primeira etapa da reforma tributária, sobre impostos relacionados ao consumo. Mas não enxerga com bons olhos a segunda, a respeito da taxação de renda e patrimônio, que deve ser apresentada por Haddad neste segundo semestre.
Até porque no texto da primeira etapa há uma obrigação para que o governo Lula apresente um projeto de mudança no imposto de renda em até 180 dias da sua promulgação.
Durante o governo Bolsonaro, seis partidos que estavam na oposição, inclusive o PT, organizaram uma proposta de Reforma Tributária que previa uma cobrança progressiva dos super-ricos em consonância com o que é feito em países desenvolvidos.
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Isso, segundo eles, poderia arrecadar R$ 292 bilhões — que seriam usados para reduzir a carga do novo IVA, o imposto unificado sobre consumo. Afinal, os muitos pobres podem não pagar imposto de renda, mas deixam parte da sua renda nos impostos sobre comida, transporte, vestuário.
A média dos salários dos trabalhadores caiu 6,9%, em 2022, no Brasil, enquanto os ganhos de acionistas de empresas aumentaram 23,8% em relação ao ano anterior. Os dados são de análise da Oxfam e apontam um crescimento na desigualdade de renda em um país já severamente desigual.
Como fazer com que a classe política fundida ao poder econômico aceite reduzir seus privilégios?
Questionado por Monica Bergamo se o presidente da Câmara, Arthur Lira, vai se empenhar por essa etapa como se empenhou pela outra, Haddad diz que a omissão do Congresso vai significar fome. "É justo eu cortar o salário mínimo do Bolsa Família para manter uma isenção, repito, que não existe em nenhum outro lugar, a não ser em paraíso fiscal?"
A questão é: temos 60% do parlamento deste nosso Brasil patrimonialista que se importa mais com isso do que consigo mesmo, com sua classe social e com uma visão religiosa de que ser rico é indicador de estar bem na fita com Deus?
Se ele conseguir responder "sim" para essa pergunta, muito provavelmente a sua lua de mel com bancos e o setor financeiro (sua avaliação positiva foi de 26% para 65% junto a representantes do mercado, segundo pesquisa Genial/Quaest) vai para o ralo. Em compensação, deixará de fato algo mais transformador que o Plano Real para esta e as próximas gerações.
UOL