Fascismo à inglesa
Gabriel Trigueiro
Leio na Atlantic, em reportagem da sempre brilhante Helen Lewis, que acaba de ocorrer em Londres a National Conservatism Conference, a NatCon. Como o nome diz, é uma conferência internacional que reúne conservadores identificados com o viés mais nacionalista daquilo que hoje chamamos de populismo de direita (trumpismo, bolsonarismo e, claro, a rapaziada do Brexit). Nazismo 2.0, cá pra nós.
É interessante dar uma olhadela no tom e em alguns dos temas que apareceram por lá, porque em tempos de articulação global e de conexão tecnológica, é sempre apenas uma questão de tempo até que esse tipo de porcaria pinte por aqui, com uma coloração mais ou menos tropical.
A agenda da conferência gravitou em torno de tópicos como antiimigração; autoritarismo, conservadorismo social e “uma versão idealizada da ideia de Ocidente”. Os políticos de estimação da turma são os suspeitos de sempre: Giorgia Meloni, da Itália, e Viktor Orbán, da Hungria. Ron DeSantis, governador da Flórida e aspirante à sucessão do espólio trumpista, foi um dos palestrantes, claro.
Dois pontos importantes para se observar na NatCon. Em primeiro lugar, pouco se falou sobre a agenda LGBTQIA +. Aparentemente um dos principais bicho-papões da direita foi substituído por bebês. Não no sentido do debate público norte-americano, as in aborto, porque esse é um tópico razoavelmente pouco controverso na Inglaterra.
Mas pela ideia de que os baixos índices de natalidade na Inglaterra são uma prova de que o “individualismo liberal” e o “marxismo cultural” deixaram a alma britânica adoecida, fraturada.
Um parlamentar conservador atribuiu a culpa da suposta decadência da sociedade britânica à mistura de “marxismo, narcisismo e paganismo”, o que me lembra aquele diálogo genial de "Desconstruindo Harry".
Doris: You have no values. Your whole life: it's nihilism, it's cynicism, it's sarcasm and orgasm.
Harry Block: You know, in France, I could run on that slogan and win.
Mas voltando, se tem uma coisa que podemos aprender com a NatCon é que conservadores em geral sempre surgem de um debate endógeno à direita, mais do que de mera reação a pautas de esquerda.
Além de críticas aos “marxistas culturais”, seja lá o que isso significa, não faltaram críticas ao Partido Conservador — que foi acusado, claro, de não ser conservador “de verdade”. Assim como o Partido Republicano, de Eisenhower, também o fora ainda na década de 1950 e o PSDB de Aécio, após sua guinada à direita, nas eleições de 2014.
Embora a direita esteja no poder na Inglaterra desde 2010, e muito embora tenha saído vitoriosa do referendo do Brexit, em 2016, no momento ela se encontra completamente perdida, feito barata tonta mesmo, tendo que lidar com a política real, e não somente com blefes e talking points para incels e racistas.
A propósito, à medida que a direita abraça, cada vez mais, uma política revolucionária e reacionária, resta à esquerda o papel de “centro vital”, ou até mesmo de eixo conservador. Repare nessa fala e movimentação do Keir Starmer, líder dos Trabalhistas.
And look – if that sounds conservative, then let me tell you: I don’t care. Somebody has got to stand up for the things that make this country great and it isn’t going to be the Tories,”.
Ou pense, inclusive, no caráter quase conservador e de conciliação do lulismo, na eleição de 2022, em contraponto ao jacobinismo de direita encampado por Bolsonaro.
A exemplo dos socialistas de antigamente, que argumentavam que a revolução estava sempre por vir, os conservadores da NatCon, e a propósito os americanos e os brasileiros também, usam convenientemente a retórica do outsider, mesmo quando isso não corresponde à verdade dos fatos.
Não somente porque é um atalho político e discursivo eficiente, mas também porque é a forma mais eficaz de jamais se responsabilizar por qualquer coisa que seja.
CONFORME SOLICITADO
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