Limites do código penal
Arnaldo Branco
Outro dia — outro dia mesmo, na penúltima newsletter — estava escrevendo sobre o povo que se levantou contra a PL das fake news, entre eles muitos comediantes de stand up, preocupados com o futuro da liberdade de expressão no Brasil. Bom, eu acho que a liberdade de expressão de um humorista de classe média tá um pouco mais bem protegida do que a de um líder comunitário tentando denunciar violência policial, mas beleza.
A verdade é que essa tal liberdade sempre esteve sob ameaça, e nenhum desses caras pareceu tão preocupado quando os arrombados do MBL estavam querendo fazer curadoria de exposição de museu na base do grito. Se bobear alguns até se juntaram ao coro.
Essa nova movimentação pelo direito de fazer piada contra minoria aconteceu porque o Tribunal de Justiça de São Paulo mandou tirar do youtube uma apresentação do comediante Leo Lins, que tem trechos como “o negro não consegue achar emprego, mas na época da escravidão já nascia empregado e também achava ruim”. Sim, como diz o meme, analogia is my passion. O cara deve ter pensado que se conseguisse sair impune com uma construção de piada tão ruim talvez a galera também deixasse o racismo passar batido.
Se você não sabe quem é Leo Lins, entendo — nunca vi o nome dele circular por causa de uma observação sagaz e engraçada, só quando faz uma piada merda sobre um assunto escolhido a dedo pra causar indignação. Infelizmente isso acontece bastante, e pensando bem talvez você administre sua timeline melhor do que eu.
A decisão do TJ, tomada a partir de um pedido do Ministério Público, comoveu colegas como Oscar Filho e Fabio Porchat, que saíram em defesa do cara com o argumento “não gosta não vai no show”, reforçando a ideia de que clube de comédia agora virou safe space de racista e que alguns comediantes parecem não saber como funciona o youtube.
Mas não foram só eles: vi um sujeito citando Lenny Bruce pra justificar o material do Leo Lins, que é meio como chamar o Rui Barbosa pra defender o goleiro Bruno. Outro usou a frase mais batida do Voltaire (“discordo do que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo”) e fui obrigado a reprimir a imagem do filósofo francês segurando um fuzil em uma trincheira lutando ao lado do Leo Lins, levando um tiro no peito e dizendo suas últimas palavras: “vá em frente, defenda o legado do Iluminismo fazendo piada de preto”.
Ninguém aguenta mais a discussão sobre os limites do humor, mas pra mim é mais aborrecido quando alguém chama de censura e “cultura do politicamente correto” o que é apenas a manifestação do bom senso. E que se os limites do humor são tão assim insondáveis, os do código penal dão menos margem pra interpretação.
CONFORME SOLCITADO
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