O carnaval acabou. Agora vai
ARNALDO BRANCO
O carnaval acabou e agora a gente vai ter que encarar nossa pequena lista de problemas, que são:
Capitalismo
As pessoas costumam lamentar o fato de que logo na vez delas aproveitarem as benesses do capitalismo o sistema entrou numa fase de deterioração, mas a verdade é que tudo está correndo de acordo com o plano. A ideia sempre foi criar uma sociedade onde os poucos ricos moram em fortalezas protegidas por muralhas e um número desproporcional de miseráveis vivem espremidos na periferia, em terras que também pertencem aos ricos. Estamos no último estágio da jornada do capitalismo rumo ao seu estado ideal, que é a volta ao feudalismo.
Militares
Eles continuam lá, impunes depois de participar de uma tentativa de golpe tão idiota que dependia de uma tremenda ingenuidade e da participação direta daqueles que sofreriam a tentativa de golpe, um pouco como aquele seu sobrinho de onze anos que acha que é só botar a rainha diante do rei pra conseguir o cheque-mate. Como a gente consegue estar tão à mercê desses sujeitos é um espanto — são caras querem fiscalizar urna eletrônica, tutelar a democracia e julgar seus próprios pares mas não conseguem evitar que armas antiaéreas do tamanho de uma montanha-russa passem pela fronteira.
Evangélicos
Nesse carnaval eles mostraram que, além de excessiva representação política, também têm uma forte e desagradável presença nas redes sociais. Rolou uma tremenda comoção porque um carro alegórico da Acadêmicos do Salgueiro representando a luta do bem contra o mal tinha a figura de um diabo — algo inevitável, a não ser que o bem vença por W.O.. Essa polêmica lembra o Roberto Carlos, que virou supersticioso e tirou a palavra “mal” das suas músicas, gerando o verso surrealista “se o bem e o bem existem, é preciso escolher”. Duvido o Estadão problematizar essa escolha.
Também viralizou um tuíte reclamando que no bloco, um lugar onde as pessoas mijam umas nas outras (?), pregar o evangelho é que é considerada uma conduta invasiva. Além de mostrar que ainda tem gente sem entender o princípio básico do consentimento, a postagem levantou a bola para um comentarista lembrar que se a sua religião incomoda mais do que levar um jato de urina é hora de repensar sua estratégia de relações públicas.
Bolsonarismo
Todo mundo avisou que o bolsonarismo não iria embora com a derrota do Bolsonaro e provavelmente nem com a sua morte, embora muita gente — não confirmo nem desminto que eu esteja nesse bonde — queira pagar pra ver. E ele está aí firme e forte, apesar de tudo que se está descobrindo sobre o ex-presidente, o que só prova que esse povo vive em um Brasil paralelo que, infelizmente, não tem fronteira nem alfândega e nem policiais com cães farejadores.
Terceira guerra mundial
Como sou idoso, já estou na minha terceira ou quarta temporada de iminência da Terceira Guerra Mundial. Me sinto como naquele meme tirado do filme dos irmãos Coen com o James Franco prestes a ser enforcado e perguntando para outro condenado: “first time?”. Mas me sinto ainda mais representado por outro meme, aquele que diz que de todas as distopias imaginadas por Hollywood para os últimos dias da humanidade nenhuma previu que, em pleno apocalipse, a gente ainda teria que ir pro escritório e trabalhar.
CONFORME SOLICITADO
https://conformesolicitado.substack.com/