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    domingo, março 05, 2023

    O cartunista Paulo Caruso, aos 73 anos


     

    Com a verve política afiada em seus desenhos e humor que não poupava celebridades nem figuras públicas, Paulo José de Hespanha Caruso foi um dos maiores cartunistas do país. Paulo Caruso morreu neste sábado (4), aos 73 anos, em São Paulo. O chargista lutava contra um câncer. O velório está marcado para esse domingo (5), 11h, no Funeral Home, em Bela Vista, São Paulo.

    Paulo era irmão gêmeo de Chico Caruso, que assina as charges da primeira página de O GLOBO há 38 anos. hico e Paulo começaram a desenhar por influência do avô materno, que era pintor amador, e dava tintas e cadernos para os netos.


    — Nosso avô fazia charges de brincadeira dos amigos, e levamos esse legado adiante. — relembra Chico. — Eu e o Paulo desenhávamos cada um em seu caderno, e depois mostrávamos ao outro o que tínhamos criado. Passamos o resto da vida fazendo isso, mesmo trabalhando em veículos e cidades diferentes.

    Paulistano, formou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), em 1976, mas não seguiu a carreira de arquiteto. Nos anos 1960, já havia iniciado a carreira de chargista no Diário Popular. Na década seguinte, colaborou com o semanário de humor "O Pasquim", ícone da resistência à censura durante a ditadura militar, em um time que incluía a nata do cartum brasileiro, com nomes como Ziraldo, Jaguar, Henfil, Millôr Fernandes, Fortuna e Reinaldo Figueiredo.

    Paulo e seu irmão gêmeo, o também cartunista e chargista Chico Caruso — Foto: Guga Melgar

    Paulo e seu irmão gêmeo, o também cartunista e chargista Chico Caruso — Foto: Guga Melgar

    Em 1981, na revista Careta, inaugurou com Alex Solnik a página de humor Bar Brasil, que posteriormente migrou para a revista Senhor. Em 1988, passa a publicar a coluna de humor "Avenida Brasil" na revista Isto É, em que permaneceu até 2006. Neste ano, passou a publicar a página na revista "Domingo", do Jornal do Brasil. Em 2015, foi para a revista Época. Paulo Caruso também colaborou em veículos como o jornal Folha de S. Paulo e a revista Veja, e publicações especializadas em humor, como Circo, Chiclete com Banana, Geraldão e Pasquim 21. 

    Na televisão, se notabilizou por fazer charges durante as entrevistas do “Roda Viva”, desde a estreia do programa, em 1986, na TV Cultura. As charges, tanto dos entrevistados quanto dos entrevistadores , acompanhadas das frases mais emblemáticas ditas por eles, viraram uma das principais marcas do programa.

    — O que ele fazia no “Roda Viva” eu jamais conseguiria fazer, desenhar naquela velocidade — elogia Chico Caruso. — Ele desenvolveu outro dom que meu avô tinha também, ao aprender a tocar piano e violão. Ele era o meu maestro, todas as músicas que fazíamos era ele quem fazia as melodias.

    Numa entrevista ao “Roda Viva” em 2013 com Chico, Paulo falou sobre como lidava com a autocensura na hora de fazer os desenhos no programa:

    — A gente viveu uma censura que era imposta de cima para baixo. Depois da abertura, existe uma questão que é a autocensura. Passei por algumas situações assim aqui no "Roda viva". Por exemplo, numa entrevista em que o Jô (Soares) contou que a mãe foi atropelada por um táxi, e percebi que fazer aquele desenho seria como brincar com a dor do outro — comentou Paulo. — Acho que você deve trabalhar sim com alguma restrição, algumas ideias não devem vir à luz.

    Em paralelo, Paulo dedicou-se à música com o irmão, em espetáculos nos quais a dupla criava paródias envolvendo situações e personagens da política nacional. Em 1985, estreou no Salão Internacional de Humor de Piracicaba a banda Muda Brasil Tancredo Jazz Band, que contou com a participação de outros cartunistas e escritores/músicos, como Luis Fernando Verissimo, Cláudio Paiva e Aroeira. Ao lado do irmão gêmeo, além de apresentações ao vivo, gravou discos como "Pra seu governo" (1998), "E la nave va" (2001) e "30 anos de democracia - Que país é este?" (2015).

    Editora da revista “Ela”, do GLOBO, Marina Caruso lembra de como foi ter o tio por perto em São Paulo enquanto seu pai, Chico, trabalhava no Rio, e, anos depois, ser sua colega de redação.

    — Guardo do meu tio as melhores lembranças pessoais e profissionais. Meu pai se mudou para o Rio quando eu era bebê e transferiu, com sabedoria, ao irmão gêmeo algumas funções que a distância o impedia de cumprir. Funções e carinhos — lembra Marina. — Anos depois, comecei minha carreira de jornalista como estagiária, na IstoÉ, onde meu tio já trabalhava há mais de 10 anos. Ele me dava caronas e, quando o fechamento era puxado, tomava um chope comigo em um bar alemão de São Paulo.

    Companheira de bancada do artista nos últimos anos no programa "Roda viva", a jornalista Vera Magalhães homenageou o parceiro em seu perfil no Instagram: "Quem nunca desejou ser retratado pelas mãos dele? Quem, quando conseguiu realizar o sonho, não emoldurou feliz uma caricatura com a indefectível assinatura no canto de baixo e pendurou na parede orgulhoso?". 

    Entre os livros publicados, estão "As origens do Capitão Bandeira" (1983), "Ecos do Ipiranga" (1984), Bar Brasil (1985), "Bar Brasil na Nova República" (1986). A partir de 1989, reúne as charges de Avenida Brasil numa série de livros, que inclui "A transição pela via das dúvidas" (1989), "A sucessão está nas ruas (1990), "O bonde da História" (1991), "Assim caminha a modernidade" (1992), "Se meu Fusca falasse" (1993), "O circo do poder (1994), "O Conjunto Nacional" (1996), "Se meu Rolls-Royce falasse" (2006) e "Enfim um país sério" (Devir, 2010). Em 2004 publicou "São Paulo por Paulo Caruso - Um olhar bem-humorado sobre esta cidade", em homenagem aos 450 anos da capital paulista, pelo qual recebeu o Trófeu HQ Mix, no ano seguinte.

    Como ilustrador, participou de livros como "Contos de pânico" (2004), "A cidade e suas histórias" (2005), "Gol e orgasmo (2010), "Diário de um magro" (2011),"Histórias de humor para quem está de bem com a vida: Ou quer ficar" (2011), "A Declaração dos Direitos Humanos: 30 artigos ilustrados por 30 artistas" (2014), e "Memórias embaralhadas: Damas de espada e valetes de ouro" (2016).

    O cartunista e chargista Paulo Caruso — Foto: Divulgação/Paulo Garcez

    O cartunista e chargista Paulo Caruso — Foto: Divulgação/Paulo Garcez

    Em 1991, expôs no Museu de Arte de São Paulo (Masp), com Chico Caruso, sendo premiado, no mesmo ano, pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) na categoria melhor desenhista. Em 1997, também foi premiado no Salão Carioca de Humor da Casa de Cultura Laura Alvim e no Salão Internacional do Desenho de Imprensa, em Porto Alegre.

    • Em agosto deste ano, o Engenho Central de Piracicaba (SP) recebeu a mostra "Na Roda com Paulo Caruso", com 40 charges e caricaturas do cartunista produzidas nos mais de 35 anos do programa “Roda Viva”. A exposição, em cartaz até 30 de outubro, integra a programação do 49ª Salão Internacional de Humor de Piracicaba.

    Além do irmão, Paulo deixa cinco filhos (Luz, Marcel, Paulo, Bruno e Lucas) e um neto (Noah).


    GLOBO





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