Yanomamis e o fascismo
Txai Suruí
O bolsonarismo, como explica Vladimir Safatle, não se trata apenas de fenômenos explicáveis ligados à extrema direita e ao fascismo, mas de um projeto de sociedade com força de projeção de futuro —que, não se enganem, não está morto. Criando uma ideia de que seria um governo contra o Estado, antissistema, catalisa ideologias conservadoras. Mobilizando uma enorme manifestação nas ruas, como foi o 7 de Setembro, o bolsonarismo tem força para realizar a ruptura que esperamos que venha da esquerda.
Mesmo depois dos quase 700 mil mortos por Covid, escândalos de corrupção e o maior ataque institucional às florestas e aos povos indígenas, denunciado internacionalmente, Bolsonaro acabou o segundo turno com 49,1% de votos.
Tem a capacidade de capturar pautas e colocar como inimigo não a desassistência do governo em relação à pandemia, mas a defesa pela economia; como problemática não a política genocida imposta, mas como inimigos indígenas, negros, mulheres, LGBTQIA+. Não importa se a Amazônia e outros biomas estão queimando diante da emergência do clima, mas sim as terras indígenas, a floresta e suas comunidades, que são a barreira contra o "desenvolvimento". Cria-se um muro chamado fascismo, no qual os capitalistas abraçam o discurso bolsonarista.
Durante os últimos dias, o Brasil se chocou com a situação do povo yanomami, que registrou 560 mortes de crianças. A situação encontrada na visita interministerial com o presidente Lula ao território indígena escancarou as violações de direitos humanos —ignoradas pelo ex-presidente, que recebeu 21 ofícios com pedidos de socorro da etnia.
Davi Kopenawa, pajé yanomami, disse à Folha que "não é a fome, é o garimpo". Podemos dar comida ao povo, mas não mudaremos sua realidade enquanto continuarmos a suportar esse sistema predatório.
Para se criticar o fascismo, há de se criticar o capitalismo. No livro "Contra a Hidra Capitalista", os zapatistas trazem que eles sabem "também que o muro muda a sua aparência. Às vezes, ele é como um grande espelho que reflete a imagem da destruição e da morte, como se nenhuma outra coisa fosse possível. Às vezes, o muro parece agradável, e surge uma paisagem plácida na sua superfície. Em outras, é duro e cinza, como se quisesse nos convencer de sua impenetrável solidez. A maior parte do tempo, no entanto, o muro é uma grande marquise debaixo da qual repetem "P-R-O-G-R-E-S-S-O".
Uma nova perspectiva de mundo é necessária. Ainda que digam que ele é
indestrutível, nós sabemos que pode ser derrubado através da fenda que
já foi aberta por nós.
FOLHA