Quando a terra treme
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JOSE EDUARDO AGUALUSA
Estava em Lisboa, na madrugada de segunda-feira, quando um terrível terremoto atingiu a Turquia e a Síria — logo seguido por outro, e por uma série de réplicas. Como sempre acontece quando a terra estremece, seja lá onde for, os jornalistas portugueses entrevistaram especialistas em diversas áreas, querendo saber se a capital portuguesa está preparada para enfrentar um desastre semelhante.
O grande terremoto de 1775, que se estima ter alcançado uma magnitude de 8.7 na Escala Richter, um pouco acima dos dois sismos que nesta semana sacudiram a Turquia, continua a aterrorizar os lisboetas. O sismo de 1755 foi seguido por um maremoto. A julgar pelos relatos da época, acredita-se que a cidade tenha sido atingida por ondas com mais de 20 metros de altura. Lisboa ficou quase completamente destruída. Ainda hoje as ruínas do Museu do Carmo (valem muito a visita) continuam a evocar a violência com que a terra se agitou naquele dia.
E, não, Lisboa não está preparada, repetem os especialistas. Poucas cidades do mundo estão preparadas para enfrentar sismos. Os mesmo especialistas chamam a atenção para a fraca qualidade das construções portuguesas.
Só no ano passado, foram registados na Turquia para cima de 20 mil sismos, de pequena e média intensidade. Em 1999, um outro grande terremoto matou 17 mil pessoas. O país inteiro está assente numa das zonas sísmicas mais ativas do mundo, com várias falhas geológicas. Contudo, mesmo ali, na Turquia, são raros os edifícios construídos com tecnologia antissísmica.
Nas últimas noites tenho dormido mal, atormentado pelas imagens da destruição, e, em particular, daquelas crianças feridas, retiradas pelas equipes de socorro do fundo dos escombros. Fico imaginando o que faria se acordasse durante um terremoto. Suponho que quem desperta em plena escuridão, com o rugido da terra se agitando, não tenha muito tempo para procurar refúgio. O que sente, provavelmente, é um terror imenso. Pouco pode fazer.
Muitos animais são capazes de adivinhar, com sextos, sétimos e oitavos sentidos, que a nós nos foram negados, a remota inquietação das placas tectônicas. Por isso tentam escapar, antes que esse estremecimento alcance a superfície, sacudindo florestas, montanhas, e todas as orgulhosas construções humanas.
O esplendor das grandes cidades apagou as estrelas do céu. Penso muitas vezes que este simples evento — o termos deixado de contemplar as estrelas — vem contribuindo para o fortalecimento da nossa comum arrogância. Acreditamos estar acima da natureza. Não conseguimos sequer compreender a linguagem desses mesmos animais que, com os seus sentidos misteriosos, escutam a cólera da terra. Não obstante, fazemos planos para colonizar Marte.
Pode ser que as imagens da destruição, na Turquia e na Síria, consigam impor alguma humildade a quem as veja, em particular aos responsáveis políticos. A humildade necessária para perceber que, antes de pensarmos em colonizar outros planetas, faríamos melhor em investir na compreensão do nosso.
GLOBO