Ouro roubado dos Yanomami precisa ser confiscado e devolvido a indígenas
Leonardo Sakamoto
Apesar de serem peçasfundamentais no processo de extração do ouro em solo Yanomami, levando em troca doenças, desnutrição e morte, os pequenos garimpeiros são apenas peões nesse processo. Quem ganha mesmo com a pilhagem dos indígenas são empresas do Brasil e do exterior, que esquentam, processam, vendem e industrializam o metal.
O ouro retirado desse e de outros territórios abastece redes de produção globais que terminam não apenas em joalherias, mas também como chips de celulares, computadores e câmeras fotográficas.
Uma investigação de dois anos da Repórter Brasil e da Amazônia Real produziu uma série de reportagens mostrando quem lucra com essa indústria. A começar pelas DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários), empresas do mercado financeiro que compram o metal no Brasil.
Três delas (Ourominas, FD'Gold e Carol) aparecem em investigações do Ministério Público Federal se beneficiando do ouro de terras indígenas. Procuradas, FD'Gold negou prática ilegal na compra de ouro, a Ourominas disse que não compactuava com o garimpo ilegal e a Carol não respondeu.
Para esquentar o ouro de sangue, basta que o garimpeiro ou o intermediário declare à DTVM que extraiu o produto de um local autorizado pelo governo. A lei 12.844/2013 presume boa-fé do comprador, ou seja, ele não será punido se acreditar no caô dado pelo vendedor. Sem contar que, por vezes, há um intermediário local atuando para a empresa compradora, o que ajuda a limpar a sua barra
Uma vez no sistema internacional, ele se mistura ao ouro de origem correta. Isso dificulta quem está na ponta da cadeia ter acesso a essa informação.
O processo é semelhante ao esquema para legalizar madeira extraída ilegalmente na Amazônia, que afirma que uma tora saiu de um lugar autorizado quando, na verdade, veio de uma floresta pública ou uma terra indígena. Mas o sistema de controle do ouro de sangue é muito mais frágil do que aquela que existe para a madeira de desmatamento ilegal.
E segundo a investigação da Repórter Brasil, esse ouro chega até produtos de marcas como Google, Microsoft, Apple e Amazon.
Há ações possíveis para quebrar essa cadeia produtiva. Mudar leis que permitem que empresas comprem ouro sem a comprovação de origem legal; criar instrumentos de controle da prospecção de ouro, confiscando o que não puder ter sua origem comprovada e entregando aos indígenas afetados; obrigar empresas a introduzir mecanismos mais robustos de devida diligência em suas cadeias de valor; criar uma espécie de "lista suja" do ouro, inspirada na "lista suja" do trabalho escravo e na lista de embargos do Ibama - o que permitiria, inclusive, o controle da venda de maquinário para bandidos. E isso para começar.
A alternativa a isso seria um bloqueio global à compra do ouro brasileiro, como já é defendido por parte da sociedade na Europa, devido às imagens de desnutrição e morte entre as crianças Yanomami. É hora, portanto, dos empresários honestos tomarem a rédea da situação para evitar que os demais continuem financiando um genocídio e a destruição do setor.
UOL