Os detidos em Brasilia
LEONARDO SAKAMOTO
"Havia pessoas conversando com a parede. Outras reclamando que a Polícia Federal não garantia acesso de wi-fi aos presos. Um deles me disse que deveria ser considerado um herói porque não deixou que incendiassem o Palácio do Planalto, apesar de ele também ter invadido o prédio."
A avaliação foi feita à coluna pela advogada criminalista Flávia Guth, conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal. Ela foi incumbida pela OAB de produzir um relatório sobre a situação dos direitos humanos dos detidos pelos atos golpistas em Brasília do último domingo (8).
Ela afirma que visitou o local, nesta terça, e entrevistou mais de 40 custodiados que negaram terem sido maltratados, agredidos e violentados. Equipes de bombeiros prestavam atendimento médico rapidamente aos presentes. Situação, portanto, bem diferente do que ocorre em casas de detenção e delegacias com a população pobre Brasil afora.
Segundo a conselheira da OAB, há pelo menos dois grupos entre os que estão detidos no espaço da PF: um com pessoas que entendem o que está acontecendo, alguns dos quais exercendo papel de liderança. E outro descolado da realidade, sem compreensão da gravidade do que fizeram e que serve como massa de manobra.
Este segundo grupo tem a certeza de que está em um processo revolucionário para trazer a paz e garantir a democracia ao Brasil. Parte dele, inclusive, já apresentaria distúrbios mentais antes mesmo de serem presos.
Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, os golpistas foram detidos e o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército desmontado. A medida foi tomada após a invasão, depredação e pilhagem do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF, em atos terroristas.
"Um deles gritou para mim: 'olha para a minha cara, olha para minha cara! Agora, veja como eu sou perigoso", contou a conselheira da OAB. Segundo ela, ao cair a ficha de que foram detidos pela polícia, alguns passam a repetir "não sou bandido de verdade" e expressões similares.
Na sua avaliação, há quem precise responder perante à lei, mas há quem também necessite de acolhimento. Isso confirma o alerta de psiquiatras, nas últimas semanas, de que os protestos de caráter golpista, que se espalharam em torno de quartéis de todo o país após a derrota de Jair Bolsonaro, atraíam pessoas de todo o tipo, inclusive indivíduos solitários e com problemas mentais.
Boatos e mentiras circulam entre os detidos
Flávia Guth, que também é diretora do Instituto de Garantias Penais (IGP) e membro da União de Mulheres Advogadas, alerta para a importância de individualizar a conduta dos que estão passando pela triagem no espaço da Polícia Federal.
Isso inclui diferenciar não apenas o local em que foram presos (invadindo prédio público, em confronto com a polícia, no acampamento, na estrada), mas também as circunstâncias. "As pessoas precisam saber do que estão sendo acusadas e pelo que responderão", explica.
Por mais que a polícia esteja sendo célere para realizar as entrevistas e a triagem, a permanência dos bolsonaristas naquele espaço vai fermentando com o tempo. E com isso, surgem mais boatos e mentiras. Nesse sentido, manter centenas de detidos por lá pode se tornar um barril de pólvora.
Pois alguns estão sedentos por um mártir. De acordo com a conselheira da OAB, ela ouviu insistentemente a mentira de que uma mulher idosa teria morrido no espaço de detenção. Tentava explicar aos detidos que isso não havia acontecido, mas eles não aceitavam os fatos, preferindo ficar com a fake.
Não houve nenhum óbito e a imagem que circula nas redes sociais da suposta "vítima" é, na verdade, de uma pessoa que faleceu há três meses.
Mulheres com crianças já foram dispensadas, mas o processo envolvendo os idosos estava mais lento, segundo Flávia Guth. Apesar de a PF ter priorizado o atendimento a esse grupo por questões de saúde, muitos acreditaram em boatos que circulavam entre os golpistas e não queriam passar pela triagem.
Algum bolsonarista disse a eles que os idosos que iam embora estavam sendo removidos para o Complexo Penitenciário da Papuda, quando, na verdade, a quase totalidade era liberada.
UOL