O golpe não deu certo!
Preto Zezé
Eu vivi quase a vida toda em movimentos sociais de base para enfrentar a desigualdade, as injustiças e para ter mais democracia no meu país.
Cresci numa cultura questionadora e rebelde. Na minha época de rap, a coisa era ainda mais radical, pois, nos meus devaneios, prevíamos que iríamos tomar o poder e instalar um novo e alternativo. Era só devaneio mesmo, pois não sabíamos os caminhos nem tínhamos força e condições para tal. O rap, com o tempo, ajudou a politizar o ódio, organizar a revolta, transformar indignação em ação e alcançar resultados concretos.
O tempo passou e provou que buscávamos apenas equilíbrio social e participação ativa. Para isso era preciso organização, trânsito, diálogo e construção de pontes com a sociedade.
A democracia brasileira é mal-acabada, ainda cercada de racismo e mágoas por todos os lados --e a história do nosso país, marcada por injustiças. Ainda assim, é melhor que qualquer sistema autoritário. E sobre isso existem dezenas de exemplos no mundo.
O que se viu no domingo (8), em Brasília, foge de tudo o que conheço em termos de luta social e manifestações. É contra toda e qualquer lógica.
Primeiro, porque o único objetivo é desmoralizar as instituições democráticas. Sim, elas precisam melhorar, todos sabemos, mas a democracia garante qualquer manifestação --menos a que pede seu fim.
Segundo, não vemos líderes, pautas, projetos, sugestões. Nada. Era apenas o caos pelo caos, com claros sinais de desorientação e falta de mediações.
Divergir é diferente de destruir. Adversário é bem diferente de inimigo. Na política, as coisas atendem a uma dinâmica própria, as regras muitas vezes não são tão agradáveis. Mas é o que temos e, se queremos mudar, há de se perseguir caminhos tensos, mas respeitando a existência da diversidade de ideias, já que ninguém está autorizado a ter e impor um monopólio do bem, seja que cor for a sua bandeira.
Ficou claro, também, que as instituições precisam ampliar sua capacidade de diálogo; que a política precisa caminhar mais próxima da base; que eleitos e eleitas devem ter mais proximidade com o eleitorado; que precisamos exercitar o senso crítico, mas com formação de pensamento livre --e livre, aqui, não se confunde com direito à ofensa.
A participação social deverá ser repensada. Há um contingente enorme que não se vê mais representado. Resta agora juntar os cacos, chamar todo mundo para um papo reto e deixar de fora aqueles que, pela força, mentira ou armas, querem impor uma única vontade.
O golpe falhou, mas há condições para novas tentativas. Não vamos fazer de conta que os avisos não estão sendo dados para depois fingimos surpresa.
FOLHA