Cinismo é lance de adolescente, adulto quer acreditar em alguma coisa
João Luis Jr
Seria bobagem negar que existem sim algumas vantagens em ser cínico, ainda mais num mundo como esse em que a gente vive.
Primeiro porque, se você é brasileiro, não é exatamente uma surpresa a descrença se tornar sua reação natural diante das coisas. É complicado manter a esperança num país onde acontece uma desgraça por dia, é tenso continuar acreditando nas coisas quando fé e crença se tornaram tão manipuladas, é foda se manter otimista sobre o ser humano depois de assistir aquele vídeo do cara quem tem dificuldades pra encontrar o sol no céu dizendo que a posse do Lula foi fake e o atual presidente é o General Heleno, num “golpe de mestre” do Bolsonaro.
Da mesma maneira o cinismo, ainda mais quando o assunto é política, assumiu um certo ar charmoso, uma certa aparência de superioridade, como se nada fosse mais “cool” do que não acreditar em política. É o cidadão tentando carreira na política garantindo não ser político de carreira; é o jornalão pedindo que um governo seja feito “sem ideologia”, como se não existisse teor ideológico nesse pedido; é a ideia de que se você votar em qualquer candidato com algum traço de alegria genuína ou sem parecer contrariado você é um ignorante manipulado que tem “político de estimação”.
Mas ainda que seja sim uma excelente ferramenta de proteção pessoal, que nos permite evitar decepções, moderar frustrações e parecer mais esperto na internet, o cinismo, assim como diversas outras técnicas de autopreservação cognitiva que vão desde “meu gosto musical me torna melhor que todo mundo” até “se as pessoas não gostam de mim quem precisa mudar são elas”, tem seus limites.
Isso porque, seja num relacionamento pessoal ou na sua relação com a política, existem linhas que você só consegue ultrapassar quando abre mão do distanciamento irônico, quando deixa o cinismo de lado, quando se permite acreditar de verdade no que está fazendo. Não dá pra sustentar uma relação sem realmente se colocar vulnerável pra pessoa com quem você está, não dá pra realmente manifestar sua paixão por algo se você finge que gosta ironicamente e, como acho que vem ficando cada vez mais claro, não dá pra mudar um país se você “não acredita em política” ou considera que “todo mundo é igual”.
E isso ficou muito claro durante a cerimônia da posse do novo presidente, no último domingo, quando mais de 150 mil pessoas estiveram na Esplanada dos Ministérios em Brasília, no que muita gente com certeza vai ler como “fanatismo”, “extremismo” ou até mesmo “vontade excessiva de ouvir uma ministra do governo gritando EU FALEI FARAÓ”, mas que na prática é provavelmente algo bem mais simples.
A verdade é que é bom acreditar nas coisas. É boa a sensação de estar otimista, é saudável ter esperanças, é mais fácil viver se você contempla a possibilidade de que o mundo se torne melhor. E as pessoas que estiveram presentes na posse, que se emocionaram durante o discurso de Lula, não fizeram isso porque confiam cegamente num político ou porque acreditam que alguém magicamente possa resolver o Brasil, mas sim porque essa eleição, essa posse, esse discurso, representam a possibilidade disso. De voltar a acreditar.
Uma coisa simples e que, pra muita gente, pode parecer um sinal de inocência, mas que na verdade talvez seja a tarefa mais madura e complexa possível, que é se permitir esperar por algo de bom – e trabalhar para que isso aconteça – mesmo sem garantias, mesmo sabendo que pode vir a não dar certo, mesmo sabendo que a decepção sempre é possível, mas sabendo também que viver sem acreditar de verdade em alguma coisa pode ser pior do que viver sem que essa coisa seja encontrada.
Porque por mais confortável que seja o cinismo, por mais descolado que possa ser não acreditar em nada e olhar de cima pra quem acredita, os cínicos e os otimistas vivem no mesmo país, estão todos no mesmo barco. E depois de tudo que aconteceu nos últimos 4 anos, a gente, mais do que nunca, precisa ser capaz de acreditar em alguma coisa e ter alguma coisa em que acreditar. Nem que seja apenas na beleza de ter uma ministra que, durante uma entrevista na Globonews, responde o repórter com EU FALEI FARAÓ. Sério, isso me fez bem demais.
CONFORME SOLICITADO