Parar de passar vergonha não é tão complicado assim
João Luis Jr
É uma escalada que acontece em várias dessas séries policiais americanas em que pessoas que fazem jogging de manhã encontram alguém morto na rua e aí aparece na tela título do programa. Pra esconder um caso extraconjugal a pessoa dá um desfalque, aí pra esconder o desfalque a pessoa comete um homicídio e aí, na duração de um episódio de 42 minutos, a pessoa que tinha cometido um erro passível de divórcio se transforma em alguém que cometeu um crime passível de décadas na cadeia apenas porque achou mais fácil trucar o destino do que reconhecer o vacilo.
E com o bolsonarismo, seja na teoria discursiva, seja na prática efetiva das ruas, parece ser mais ou menos isso o que está acontecendo. Pessoas que acreditaram que todos que não estavam do lado de Bolsonaro eram comunistas foram preferindo achar comunismo em lugares cada vez mais improváveis, como a TV Globo ou o Partido Novo, do que apenas assumir que essa ideia talvez não fizesse sentido, da mesma maneira que gente que não quer aceitar a derrota nas urnas foi se abraçando a mecanismos argumentativos cada vez mais absurdos para acreditar em alguma possível reviravolta, seja a prisão de Alexandre de Moraes, sejam teorias de que Lula, assim como a artista pop Avril Lavigne, teria morrido e sido substituído.
Porque talvez a sensação para essas pessoas seja de que, tal qual um suspeito num episódio de Law and Order, elas já foram longe demais para voltar atrás e qualquer passo pra frente, por mais absurdo que pareça visto de fora, é o passo mais simples e natural.
Afinal, se você já acreditou, sem prova alguma, que as urnas eletrônicas foram fraudadas nas eleições de 2018, que os médicos cubanos eram guerrilheiros treinados e que o filho do Lula tinha uma Ferrari banhada a ouro, o que seria mais fácil agora, respirar fundo e refletir se você talvez não viajou pesado nos últimos anos ou apenas repassar essa informação que você recebeu no Whatsapp sobre como um juiz de ascendência libanesa, curiosamente chamado Jalin Rabei, tem provas que anulariam nossa eleição?
Se você já se indispôs com família, amigos, colegas de trabalho e saiu de casa para ficar parado numa rodovia usando verde e amarelo e pedindo uma intervenção militar, por que não segurar bem firme na frente de um caminhão enquanto ele se desloca pela estrada ou cantar o hino nacional para um pneu? Parece absurdo visto de fora? Muito provavelmente. Mas talvez pra tanta gente que já abraçou o bolsonarismo e transformou ele em sua identidade nos últimos anos, mais absurdo ainda pareça a possibilidade de aceitar a realidade de que não apenas tudo isso foi em vão como o que dava a eles propósito, o que permitia que eles se sentissem especiais, era apenas uma perigosa picaretagem organizada por uma família que queria dinheiro trocado pra comprar imóvel ilegalmente.
Mas a verdade é que, por mais absurdo que possa parecer, por mais longe que você já possa ter ido - seja no bolsonarismo, seja em qualquer outro comportamento nocivo, escroto ou apenas totalmente imbecil - nunca é tarde demais pra dar meia volta. Não porque as pessoas vão estar te esperando de braços abertos, porque elas muito dificilmente vão estar e não porque seja possível consertar os erros que você cometeu, porque nem sempre é possível, mas sim porque as coisas sempre podem piorar.
Parando hoje você com certeza vai passar mais vergonha do que se tivesse parado ontem, mas ainda menos do que se deixar pra parar amanhã. E isso pode não parecer muita coisa, mas se for a diferença entre ser filmado ou não pendurado na frente de uma Scania e virar meme para o país inteiro, com certeza é coisa o bastante.
CONFORME SOLICITADO
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