Como o Qatar silenciou líderes e abafou críticas de governos estrangeiros
Jamil Chade
O que une o Paris Saint-Germain, o Empire State Building em Nova York, a Harrods em Londres e o Uber? Todos eles foram alvos de investimentos do Qatar.
Enquanto alguns poucos jogadores ousam criticar a situação de direitos humanos no Qatar e entidades e ativistas alertas para o escândalo de uma Copa do Mundo em tais condições, um aspecto incômodo é constatado em diversas partes do mundo: o silêncio constrangedor de líderes políticos e a ausência de qualquer pressão por parte de democracias sobre o local que, neste mês, se transformou no epicentro da atenção mundial.
O motivo é tão simples como poderoso: em apenas 20 anos, o Qatar comprou seu lugar no mundo e se transformou num dos principais atores econômicos em diversos setores. O destino de multinacionais, bolsas, produtores de armas e até mesmo do mercado imobiliário no Ocidente está, hoje, atrelado ao futuro do Qatar. A Copa do Mundo, portanto, é apenas parte de uma estratégia mais ampla.
O motor da transformação foi o gás, que catapultou o Qatar a uma nova situação. Hoje, o país é o maior fornecedor de GNL para a Europa. Em países como Inglaterra, Itália ou Bélgica, o Qatar hoje representa entre 45% e 67% dos abastecimentos de gás.
Hoje, os ativos de um dos maiores fundos soberanos do mundo são superiores ao PIB de mais de 160 países pelo mundo. Os recursos administrados pelo Qatar Investment Authority (QIA) chegariam a US$ 455 bilhões (R$ 2,4 trilhões).
O estado do Qatar, por exemplo, é hoje o décimo maior proprietário de terras no Reino Unido. Alguns dos prédios mais icônicos de Londres também estão nas mãos do Qatar, entre eles Canary Wharf, HSBC Tower e The Shard. Um dos marcos do comércio da capital britânica, a Harrods, também tem capital do país do Golfo.
Mas não apenas prédios são comprados. Os presentes dados pelo Qatar aos parlamentares britânicos em apenas doze meses antes da Copa chegaram a 251 mil libras esterlinas (R$ 1,6 milhão). O total é superior ao valor dos 15 países seguintes na lista dos doadores aos deputados do Reino Unido.
Hoje, 10% da Bolsa de Valores de Londres é controlada pelo Qatar. O país também controla 20% do aeroporto de Heathrow e um quinto da British Airways.
Apenas em 2019, o QIA despejou US$ 44 bilhões (R$ 235 bilhões) pelo mundo. Hoje, investimentos do Qatar chegam a 80 países. Um terço do valor estaria na Europa.
No total, são US$ 30 bilhões investidos nos EUA, US$ 40 bilhões no Reino Unido (R$ 214 bilhões) e acima de US$ 25 bilhões (R$ 133 bilhões) na Alemanha ou França.
Na França, depois de um acordo de isenção de impostos com Nicolas Sarkozy, o Qatar ainda comprou hotéis de luxos e locais estratégicos de Paris.
Em menos de 20 anos, o país do Golfo usou seus recursos para comprar importantes parcelas de tradicionais empresas ocidentais, entre elas a Volkswagen e a Porsche. Bancos ainda foram em parte salvos da crise de 2008 e 2009 graças aos recursos do Qatar, entre eles Barclays, Credit Suisse e Deutsche Bank.
Nos EUA, o Qatar controla 10% das ações da Empire State Realty Trust, empresa dona do Empire State Building. A gigante Miramax Studios também passou para as mãos do emir, enquanto o QIA chegou a ter investimentos no Uber.
Para o Qatar, não existe fronteiras para o capital ou para a influência. Se os investimentos nos EUA são importantes, eles chegam a ser de 19% na estatal russa do petróleo, a Rosneft.
Além de investir no exterior, outra medida foi a de passar a ser um dos maiores compradores de armas do Ocidente. Desde 2010, quando a Copa foi dada ao país do Golfo, o Reino Unido viu suas vendas de armas de alta tecnologia explodir ao pequeno país.
Em 2015, o Qatar já era o sexto maior comprador de armas do mundo, como contratos de US$ 7,1 bilhões (R$ 37 bilhões) para a aquisição de 24 caças Dassault Rafale da França, US$ 2,4 bilhões em helicópteros americanos e mísseis da Itália.
Entre 2012 e 2016, após a Copa do Mundo ser designada para o Qatar, dados da entidade sueca Sipri indicaram que o país do golfo aumentou em 282% a importação de armas. Entre 2016 e 2020, o aumento foi de 361%.
UOL