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    quinta-feira, dezembro 01, 2022

    Mulheres não têm vez em festa histórica da Arábia Saudita

     

     

     

     

     

     Diego Garcia

    A seleção da Arábia Saudita viveu o momento mais glorioso de sua história nesta terça-feira (22), ao vencer, de virada, a favorita Argentina, de Lionel Messi, por 2 a 1. E a torcida saudita fez do estádio Lusail um caldeirão, digna de uma das mais insanas festas que já tinha visto em um jogo de Copa do Mundo. Mas o triste foi perceber que, aparentemente, era um evento proibido para mulheres.

    Estava fazendo a cobertura da partida pelo UOL e assisti ao primeiro tempo com a torcida da Argentina, no setor teoricamente onde estavam os chamados "barras bravas". O objetivo era captar as percepções dos hermanos durante a estreia de sua seleção, que chegou à Copa com invencibilidade de 36 jogos e favorita ao título.

    Porém, enquanto estava ali, no meio de uma das mais famosas torcidas nacionais do mundo, percebi que, do outro lado do campo, os sauditas eram muito mais barulhentos e apaixonados. Era possível ver focos enormes de pessoas vestidas de verde - cores da bandeira e da equipe - ou branco - pela dishdasha, tradicional traje árabe.

    Então, decidi atravessar o campo para entrar no meio daquele mar de loucos árabes, que pulavam e gritavam sem parar. Fui direto no setor mais fanático dos sauditas e me infiltrei bem no meio, disposto a puxar assunto e descobrir de onde vinham, como foram ao Qatar, quais suas motivações e onde aprenderam a torcer daquele jeito.

    Apesar de ser um tradicional saco de pancadas das Copas do Mundo, a Arábia Saudita tem cultura de futebol muito forte, com clubes populares e enormes torcidas. E demonstraram isso diante da Argentina, ao decretarem um terremoto no Lusail que conseguiu levar o pior time da história das Copas a vencer uma poderosa equipe que tinha um dos maiores jogadores de todos os tempos, Lionel Messi.

    Porém, enquanto estava ao lado daquele bando de homens cantando sem parar, em árabe, algo como "Vamos, Falcões Verdes (apelido do time saudita)", me deparei com uma realidade nefasta: não existiam mulheres naquela torcida. Algo que, desde que cheguei ao Qatar, se tornou uma abominável rotina. Elas não parecem tão bem-vindas entre alguns povos locais quanto os visitantes do sexo masculino.

    Rodei então boa parte da torcida árabe no setor atrás do gol, o mais explosivo, e só encontrei quatro mulheres - duas pareciam estrangeiras, usando máscaras de proteção contra a Covid, e outras duas claramente sauditas, utilizando o traje ultraconservador todo preto, que cobre o corpo inteiro, deixando apenas os olhos de fora.

    Oras, em um mar de homens, só havia quatro mulheres, sendo que duas só deixavam os olhos de fora, em um campo de futebol, onde supostamente todos devem estar à vontade para torcer e desfrutar do momento? Estou falando de um setor com milhares de pessoas que se vestiam como queriam.

    Uma diferença gritante para o setor argentino, onde elas apareciam em maior número - apesar de ainda pequeno, já que, ao que tudo indica, muitas deixaram de vir ao país por conta da questão dos direitos femininos no Qatar e nos países árabes. Entre os países sul-americanos e europeus, ainda é possível ver algumas mulheres nas arquibancadas.

    Mas a Arábia Saudita é um dos países mais radicais nesse ponto. Neste ano, por exemplo, uma foi condenada a 45 anos de prisão por usar o Twitter. Só recentemente elas foram liberadas a viajar ao exterior sem a autorização de um "responsável". Por lá, é comum ver mulheres com burca, que cobre todo o rosto e tem apenas uma rede para enxergar, ou nicabe, que deixa os olhos descobertos.

    E, no Qatar, não poderia ser diferente com as torcidas sauditas. A espetacular festa feita durante e após a vitória contra a Argentina pelas ruas de Doha esconde, por trás, a realidade sombria de países que ainda correm na contramão dos direitos femininos e humanos. E não existe Copa do Mundo se não for para todos. O Qatar 2022 é uma vergonha.

     
    UOL 

     

     

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