As tristezas do mundo
SÉRGIO AUGUSTO
Desde a eleição, a biruta mudou de direção e quem cogita ir embora são os bolsonaristas
Quem, nos últimos quatro anos, não pensou em se exilar no exterior ou não prestava atenção ou estava mal informado. A única dúvida nas conversas, fiadas porém decididas, era o destino a ser tomado: Portugal, Uruguai ou Chile.
Nunca me apeteceu viver longe do Brasil, nem sequer fora do Rio, meu berço, minha sina. Se mudasse de ideia, meu destino seria, certamente, o Nordeste, jamais, por exemplo, Santa Catarina, que nos últimos dias se tornou um showroom de manifestações nazifascistas.
Desde as eleições de domingo, contudo, a biruta mudou de direção e quem agora cogita ir embora são os bolsonaristas. Muitos deles já puseram o pé na estrada, por enquanto só para bloqueá-las e infernizar a vida até de quem votou no presidente recém-derrotado.
Sem convenientes opções por perto (mesmo Flórida fica longe, e Hungria, mais ainda), querem juntar-se aos expatriados na terra dos meus ancestrais, onde a vida anda (ou andava) mansa e fagueira.
Minha amiga Inês Pedrosa, escritora portuguesa de primeira linha, apaixonada pelo Brasil e bem informada a nosso respeito, avisou “a quem esteja a fazer as malas”, que em Portugal aborto e casamento gay são legais, a escola ensina igualdade de gênero e o governo é socialista. E solicitou: “Por favor, não venham para cá.”
O diabo é que ninguém parece ter mais para onde ir. O mundo inteiro foi atingido por uma “onda de tristeza global”, para usar a expressão de David Brooks, comentarista político do The New York Times, que no último domingo analisou a atual malaise planetária, partindo, veja só, do último álbum da cantora Taylor Swift, Midnights.
Swift estourou no início do século com um repertório romântico, cheio de paixões e desilusões juvenis, e evoluiu para um cancioneiro com mais emoções negativas, como ansiedade, inquietação, tédio, cansaço e mesmo raiva. Numa das melhores faixas (Vigilante Shit) do novo álbum, ela confessa não se vestir para os homens, nem para as mulheres, mas “para se vingar”. De quê? De tudo.
Ou seja, Swift tornou-se uma das vozes mais afinadas com a deprê e a indignação globais a que se refere Brooks, amparado por uma exaustiva pesquisa sobre a declinante presença de termos amorosos e a crescente prevalência de sentimentos relacionados com a tristeza, a raiva e a repugnância na música pop entre 1965 e 2016.
A esse mood refletido na música pop Brooks juntou diversos dados estatísticos que dão conta do nível de infelicidade das pessoas ao redor do mundo. O Brasil só não se saiu pior do que a Índia, a China e o México. Mas já acordou bem mais animado na segunda-feira.
ESTADÃO