Bernardo Mello Franco
Jair Bolsonaro chega ao dia da eleição com os nervos à flor da pele. Até hoje, nenhum presidente brasileiro fracassou ao tentar o segundo mandato. Para quem diz não acreditar em pesquisas, ele parece atormentado com o risco de quebrar a escrita.
Na semana decisiva, a tensão presidencial só aumentou. Na quinta-feira, Bolsonaro se destemperou em comício na Zona Oeste do Rio. Aos gritos, chamou o prefeito Eduardo Paes, que apoia seu adversário, de “vagabundo” e “mal-agradecido”. “Encheu os cofres da prefeitura com dinheiro nosso”, vociferou.
Os insultos combinam desinformação, patrimonialismo e falta de autocrítica. O dinheiro da União não é do presidente. Pertence ao contribuinte, e deve ser repartido com estados e municípios por dever constitucional. Além disso, o capitão não é exatamente um aficionado por trabalho. Seu expediente dura em média quatro horas por dia, interrompidas por uma soneca no gabinete.
Bolsonaro também exalou nervosismo no debate da TV Globo. Mais agressivo que o habitual, apelou a todos os itens da cartilha do antipetismo. Falou 16 vezes de Cuba. Citou o ex-ministro José Dirceu, o MST e até o esquecido José Rainha.
Num momento de deboche, Lula comentou que o rival parecia “descompensado” e ofereceu uma pausa para ele se acalmar. Depois se recusou a permanecer no centro do palco enquanto Bolsonaro falava. “Não quero ficar perto de você”, disse. A frase resume o que milhões de brasileiros pretendem dizer ao presidente neste domingo.
Nas considerações finais, o capitão deu sua maior derrapada: pediu votos para deputado, não para presidente. O ato falho revelou um político assustado com a perspectiva de voltar à planície, longe dos privilégios e da blindagem do cargo.
Já era madrugada de sábado quando Bolsonaro se apresentou para a entrevista pós-debate. Diante da imprensa nacional e estrangeira, ofereceu um espetáculo de má educação. Na partida, engrossou com um jornalista português que citou seu isolamento internacional. Depois ameaçou ir embora ao ser chamado de “candidato”.
Finalmente, perdeu a compostura quando o repórter Italo Nogueira questionou uma de suas fake news: a acusação de que Lula teria se reunido com chefes do tráfico em ato de campanha no Complexo do Alemão. Pego na mentira, o capitão se descontrolou e saiu sem responder.
A irritação dos últimos dias reforçou os sinais de que Bolsonaro não reagirá pacificamente em caso de derrota. Seria ingenuidade esperar que ele se comportasse como um político civilizado, telefonando para felicitar o vencedor. Aqui se trata de reconhecer o resultado e respeitar a vontade das urnas.
O capitão já investiu contra o voto eletrônico, atacou o TSE, estimulou o golpismo e a insubordinação militar. O alvo de sua cruzada não é Lula: é a democracia brasileira.
O autoritarismo da extrema direita transformou a eleição de hoje numa escolha existencial. Mais que o próximo presidente, o país decidirá o futuro da Constituição de 1988 e de tudo o que ela protege: a independência do Judiciário, o respeito às minorias, o direito de discordar do poder.
GLOBO