Lula sai em condições de ganhar e levar
Marcos Coimbra.
Estamos perto do fim de um longo
processo eleitoral da mesma for-
ma como nele entramos. Desde o
início, tudo indicava que Lula ganharia
a eleição, fosse no primeiro ou no segun-
do turno. Existia a chance de que vences-
se logo, mas não era elevada e não veio.
Sempre foi favorito para ser o próximo
presidente. Com as informações dispo-
níveis hoje, há, no entanto, uma expecta-
tiva que não deve se confirmar: a vitória
de Lula não será por margem tão gran-
de quanto chegou a parecer. Nada suge-
re que obterá os 20 pontos de frente que
alcançou entre abril e maio deste ano.
Claro, pode-se argumentar que as pes-
quisas superestimavam a vantagem, que
nunca teria sido, efetivamente, tão grande.
Como o voto em Bolsonaro foi maior, no
primeiro turno, do que se esperava, é pos-
sível imaginar que a diferença entre os dois
teria sido menor, caso a eleição ocorres-
se antes. Não há, no entanto, como saber.
O que aconteceu nos últimos quatro,
cinco meses? Por que Lula chega ao fim
do processo com uma intenção de voto
menor do que atingiu? São dois os mo-
tivos principais. De um lado, fez esco-
lhas que tiveram consequências. De ou-
tro, Bolsonaro cometeu uma montanha
de ilegalidades, tratadas por nosso siste-
ma político e pelo Poder Judiciário com
tolerância descabida.
Em abril e maio, quando a vitória de
Lula, por ampla margem, se tornou qua-
se certeza, vimos o que costuma aconte-
cer nas eleições brasileiras: foi todo mun-
do bater à porta do favorito, como é típi-
co de uma cultura política na qual nin-
guém espera ou cobra dos atores coerên-
cia e alinhamentos duradouros. Salvo ex-
ceções de praxe, a vasta maioria de nosso
sistema político estava pronta a aderir ao
ex-presidente. Alguns de forma explíci-
ta, outros de maneira velada, em armis-
tícios e pactos de não agressão.
Caso Lula abrisse a porta, mesmo que
um pouco, ele poderia ter consolidado
sua dianteira ainda mais e, ao mesmo
tempo, limitado o crescimento do adver-
sário. Quem sabe, a ponto de estar hoje
com a mesma larga vantagem que as pes-
quisas de então apontavam. Só dependia
dele a decisão de abri-la ou não, mas ha-
via custos a considerar. Cada um desses
aliados de ocasião queria alguma coisa e
fixava um preço.
Ofereceram-se a Lula três tipos
principais de apoios: a) de uma parcela
grande da liderança evangélica, particu-
larmente das igrejas neopentecostais; b)
de algumas lideranças de partidos fora
de sua aliança, especialmente governa-
dores na disputa pela reeleição; c) de um
pedaço importante do empresariado, in-
clusive do mercado financeiro.
Naquela altura, as preferências do elei-
torado evangélico ainda eram disputadas
entre Lula e o capitão, e importantes igre-
jas não haviam se comprometido com um
ou outro (mesmo que tivessem suas incli-
nações). Muitas procuraram Lula e esta-
vam dispostas a apoiá-lo. Quanto a Bol-
sonaro, ainda não tinha o voto de dois em
cada três evangélicos, como teve, cerca de
metade de sua votação no primeiro turno.
Na mesma época, o que mais queriam
governadores como os do Rio de Janei-
ro e Minas Gerais era que Lula se abs-
tivesse nas eleições locais, em troca de
apoio ao petista ou, no mínimo, o com-
promisso de não fazer oposição. País afo-
ra, candidatos de vários partidos propu-
seram acordos semelhantes, desrespei-
tando suas alianças e querendo que Lula
ignorasse as dele. Para o empresariado, o
relevante era o ex-presidente se compro-
meter com nomes para o primeiro esca-
lão e propostas de seu agrado. Não ofere-
ciam simpatia, mas recuariam na oposi-
ção ostensiva e não deixariam que seus
representantes no Congresso se manco-
munassem com o capitão.
Lula poderia ter aceitado, mas não quis,
e assim deixou esses setores, por falta de
opção, com o capitão. Talvez tenha dimi-
nuído a margem de sua vitória, mas au-
mentou a chance de fazer o governo que
imaginava, com um nível aceitável de con-
temporizações. Abriu mão de um resulta-
do mais folgado para ter a chance de go-
vernar menos preso a gente como essa.
Quanto à bandalheira aprontada por
Bolsonaro e sua turma, com a mais ver-
gonhosa utilização de recursos públicos e
do aparelho de Estado de nossa história,
pode ter ajudado a diminuir a vantagem
de Lula, à custa de um emporcalhamen-
to das instituições que vai demorar a ser
limpo. Nosso sistema político tratou o ca-
pitão como uma criança mimada, que em-
birra se não a deixam espalhar sua sujeira.
Ao fazer o que achava correto e, princi-
palmente, ao não fazer o que queriam que
fizesse, Lula sai da eleição em condições
de ganhar e levar. Sua antessala estará li-
vre de bispos picaretas, políticos oportu-
nistas e empresários espertalhões. Mui-
to melhor para ele e para o Brasil.
CARTA CAPITAL