O que a campanha de Tarcísio tem a esconder?
O tiro que matou uma pessoa em Paraisópolis saiu de um de seus homens?
A campanha de Tarcísio de Freitas ao Governo de São Paulo mergulhou em uma história macabra que envolve:
Um agente da Abin atuando como “segurança”;
Um tiroteio que resultou em assassinato;
A tentativa da campanha do candidato de transformar esse tiroteio em um atentado contra Tarcísio para aumentar suas chances eleitorais, o que se provou uma mentira;
A coação por parte de um membro da campanha de Tarcísio para que um repórter cinematográfico apagasse imagens que fez do confronto (qual o motivo?);
Uma ONG que tem uma parceria milionária com a Brasil Paralelo, empresa de vídeos e educação de extrema direita ligada ao olavismo e ao bolsonarismo e que reescreve a história do Brasil com informações distorcidas e falsas.
Contexto rápido pra quem não sabe o que aconteceu.
Tarcísio de Freitas visitou uma ONG na favela Paraisópolis em São Paulo no dia 17 deste mês para fazer campanha.
Houve um tiroteio no bairro no momento da visita.
A campanha de Tarcísio e os bolsonaristas nas redes logo espalharam o boato de que o candidato teria “sofrido um atentado” – o que se provou ser uma mentira plantada para inflar a popularidade de Tarcísio como suposto “inimigo da bandidagem”.
A farsa durou pouco: o atual governador do Estado, Rodrigo Garcia – insuspeito, já que apoia Tarcísio na eleição – desmentiu. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo desmentiu. A PM desmentiu.
A campanha recuou e tentou esquecer a história.
Mas a imprensa foi atrás e descobriu mais coisas – o que muda completamente a situação.
A história fica obscura
O repórter Arthur Rodrigues não deixou o episódio sumir e trouxe uma revelação crucial na Folha: um integrante da campanha de Tarcísio de Freitas mandou o cinegrafista da Jovem Pan apagar as imagens do tiroteio.
“O profissional da emissora, que pediu para não ser identificado, fazia imagens da campanha do postulante ao Governo de São Paulo. Tarcísio estava na sede de um projeto social que inaugurou um polo universitário na favela quando um tiroteio entre policiais e suspeitos terminou com uma morte.”
(não esqueçam do “projeto social que inaugurou um polo universitário na favela”, voltarei a ele)
A revelação mal cheirosa levou o caso para outro patamar. Depois desse áudio, o que poderia ter sido um oportunismo do candidato – tentar transformar uma troca de tiros em um atentado contra si – ganhou contornos obscuros.
Por que, afinal, um membro da campanha mandou o cinegrafista apagar o que filmou naquele dia? O que eles precisam esconder?
Depois de divulgar o áudio, o repórter Arthur Rodrigues seguiu na história e conseguiu entrevistar o cinegrafista da Jovem Pan coagido pelo membro da campanha de Tarcísio. Leiam a entrevista, é aterradora. Um trecho:
Vi a minha colega [de trabalho] saindo da escola com uma assessora do Tarcísio e indo para van, e elas me chamam: 'Vamos para van'.
Estou pensado que estão tirando a gente do perigo ali, e, no primeiro momento, fôssemos desembarcar, mas em nenhum momento parou a van, e fomos embora.
Chegando lá [na base da campanha], nós fomos colocados para dentro, para não ter muito a movimentação, porque acho que nem vizinho sabia que aquilo ali era um escritório da base da campanha.
Chega alguém e fala assim: 'Vamos lá em cima [que querem falar com você]'.
Eu achei esquisito. Ficou uma dúvida, e na dúvida grava. Eu não estou com a câmera na mão. Peguei meu celular e fui gravando áudio com celular na mão.
O cara se apresenta [o homem foi identificado pelo site Intercept Brasil como Fabrício Cardoso de Paiva, um agente licenciado da Abin que foi reconhecido também por Andrade por meio de fotografias]. Aí tem a gravação [em que a voz pergunta sobre o tiroteio e sobre o que havia sido filmado, e manda Andrade apagar as imagens].
Eu achei muito estranho, eu não faria em momento algum por questão da profissão mesmo. Eu não apaguei isso [as imagens já haviam sido enviadas à emissora].
Pode ser que [Tarcísio] estivesse no ambiente, mas não na conversa. A conversa foi de pé de orelha.
Minha opinião [sobre o motivo da ordem] é que alguém que estava lá que não devia estar. É isso.
Motivo do tiroteio
A principal suspeita da Polícia Civil é que a presença de policiais na região tenha feito os criminosos locais reagirem. O tráfico, imaginando se tratar de uma operação, atacou.
Isso aconteceu porque a comunidade não foi informada sobre a massiva presença de policiais à paisana, incluindo aí ao menos um agente da Abin, como descobriram Rafael Moro Martins e Guilherme Mazieiro.
Tarcísio visitou o projeto Casa Belezinha (o tal “projeto social que inaugurou um polo universitário na favela”). O Casa Belezinha nasceu e foi incubado em Paraisópolis dentro do pavilhão de uma ONG chamada G10 Favelas.
Para proteção dos moradores, ONGs que operam em bairros onde há grupos criminosos sempre avisam a comunidade sobre a presença de homens armados em eventos como o que Tarcísio participou.
Isso evita que o tráfico ou a milícia confundam o evento com uma operação policial. Parece óbvio? Porque é. O problema: eu apurei que esse comunicado não foi feito.
Projeto de “educação”
O G10 Favelas é liderado por Gilson Rodrigues. Foi ele o responsável por fechar uma parceria milionária com a produtora Brasil Paralelo, uma empresa revisionista de extrema direita que se apoia em falseamentos históricos para conquistar assinantes. A Brasil Paralelo – que foi desmonetizada no You Tube pelo TSE – entrou em Paraisópolis e em outras favelas pelas mãos de Rodrigues para dar cursos de “educação” gratuita.
A Brasil Paralelo é o braço “educativo” da extrema direita brasileira. Seus vídeos são documentários esteticamente bem produzidos, mas de conteúdo altamente sensacionalista e, por muitas vezes, falsos.
Para a Associação Nacional de História, a Brasil Paralelo conta "versões mentirosas" sobre a historiografia do país, comete uma "série de omissões factuais, distorções do registro histórico e silêncios sobre dados inconvenientes do mesmo período" pra relativizar a ditadura militar de 64 e espalha "discurso incoerente e falacioso sobre evidências já trabalhadas nas pesquisas".
Foi a Brasil Paralelo que difundiu, com ares de ciência, a “fraude nas eleições de 2014”, algo que nunca existiu. O vídeo foi publicado durante as eleições de 2018, dando impulso ao discurso golpista que Jair Bolsonaro sustenta até hoje.
Gilson Rodrigues publicou um vídeo em suas redes sociais alegando que não sabia que Tarcísio estaria em Paraisópolis.
Quem matou?
De acordo com os relatos dos policiais, homens de moto passaram diversas vezes pelo local onde acontecia o evento com o candidato. Uma dupla voltou ao lugar do ato de campanha gravando imagens com um celular e questionou um soldado da PM à paisana sobre quem teria “autorizado” o evento.
Ato contínuo, eles teriam retornado armados. Foi quando o tiroteio começou, ainda segundo a Polícia.
caso poderia ter acabado em tragédia ainda maior caso a troca de tiros escalasse.
Resta a dúvida: o que a campanha de Tarcísio tem a esconder? Por que mandou o cinegrafista apagar o vídeo? Da arma de quem saiu o tiro que matou esse homem?
A GRANDE GUERRA