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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital. Desagua douro de pensa mentos.


    segunda-feira, abril 18, 2022

     

    Bernardo  Mello Franco                              

    Na reta final da eleição de 2010, José Serra apelou ao fantasma do aborto para tentar roubar votos de Dilma Rousseff. Em desvantagem nas pesquisas, o tucano insinuou que a adversária liberaria a interrupção da gravidez. “Ela é a favor de matar as criancinhas”, acusou sua mulher, em caminhada na Baixada Fluminense.

    A baixaria foi levada ao horário eleitoral. Serra se apresentou como um político que “sempre condenou o aborto e defendeu a vida”. Para sensibilizar o eleitorado religioso, sua propaganda exibiu imagens de gestantes vestidas de branco. O tucano fez pose de coroinha e prometeu governar com “princípios cristãos”.

    Passados 12 anos, o tema volta a ser usado como arma eleitoral. De olho no voto evangélico, Jair Bolsonaro acusa Lula de estimular o aborto. “Para ele, abortar uma criança e extrair um dente é a mesma coisa”, atacou, na quinta-feira.

    O ex-presidente tem tropeçado na língua. Há poucos dias, sugeriu que sindicalistas fossem até a casa de deputados para “incomodar a tranquilidade” deles. Uma ideia inconsequente em tempos de radicalização política.

    No caso do aborto, Lula é vítima de distorção eleitoreira. O petista não banalizou a interrupção da gravidez. Limitou-se a dizer que a prática deveria ser tratada como uma questão de saúde pública. “Mulheres pobres morrem tentando fazer aborto, porque o aborto é proibido, é ilegal”, argumentou.

    Atacado pelo bolsonarismo, o ex-presidente tentou se explicar. “A única coisa que deixei de falar é que eu sou contra o aborto. Tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta”, justificou-se, dois dias depois. Ele repetiu o argumento da saúde pública, mas passou a ideia de que recuou para não perder votos.

    A mistura de fé e política impede um debate honesto sobre o tema. Enquanto países vizinhos descriminalizam o aborto, o Brasil se nega a mexer no Código Penal de 1940, que pune com cadeia a mulher que interrompe a gravidez. A lei só autoriza a prática em caso de estupro, risco de morte ou feto anencéfalo.

    A proibição nunca impediu a prática. Seu único efeito é aumentar o sofrimento e o risco à saúde da gestante. Em 2019, o SUS registrou mais de 500 internações diárias por complicações decorrentes de abortos clandestinos.

    Além de rebaixar o debate eleitoral, a pregação antiaborto costuma carregar fortes tintas de hipocrisia. Em 2010, a Folha de S.Paulo noticiou que a mulher de Serra já havia relatado um caso em primeira pessoa. O tucano se irritou com a reportagem, mas não desmentiu seu conteúdo. Depois do episódio, o tema sumiu discretamente da propaganda de TV.

    Bolsonaro também parece ter mudado de opinião com fins eleitorais. Em ao menos duas entrevistas antigas, ele afirmou que a decisão sobre o aborto deveria ser da mulher. Seu novo discurso é tão honesto quanto certos pastores que o apoiam.

    globo

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