Artistas forçam a barra para proibir paródias nas eleições
BERNARDO MELLO FRANCO
Em 2013, estrelas da MPB lançaram uma cruzada para proibir a circulação de biografias não autorizadas. O movimento foi liderado por Roberto Carlos, que já havia pedido a prisão do autor de uma obra que não o agradou.
Nove anos depois, a elite da música brasileira quer barrar as paródias musicais nas eleições. O caso também está ligado às idiossincrasias do Rei. Sua gravadora processou um candidato que ousou imitá-lo na TV.
A controvérsia surgiu na campanha de 2014, quando o deputado Tiririca fez piada com a música “O Portão”. No hit original, o cantor anunciou: “Eu voltei/ Agora para ficar/ Porque aqui/ Aqui é o meu lugar”. No horário eleitoral, o palhaço brincou: “Eu votei/ De novo vou votar/ Tiririca, Brasília é o seu lugar”.
O juiz Márcio Teixeira Laranjo, da 21ª Vara Cível de São Paulo, não achou graça. Condenou o deputado a indenizar a gravadora EMI e acrescentou que programa eleitoral “não é — ou não deveria ser — programa humorístico”. A sentença seria anulada por unanimidade pela Terceira Turma do STJ.
Em manifesto divulgado na segunda-feira, cerca de 400 artistas pedem que a Corte reveja a decisão em julgamento previsto para hoje. O texto fala em “usurpação” de direitos autorais e alega que a liberação das paródias “servirá para distorcer o processo eleitoral e enganar os eleitores, com graves reflexos para a democracia brasileira”.
Os músicos ainda sustentam que “ficarão privados de fazerem suas livres escolhas políticas e ideológicas”, como se a Justiça tivesse impedido algum deles de declarar voto em seu candidato.
A Lei de Direitos Autorais é clara: “São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito”. Além de ignorar a regra, o manifesto peca pelo exagero. Nem o eleitor mais distraído seria capaz de confundir Tiririca com Roberto Carlos.
O Rei chegou a retirar sua biografia das prateleiras, mas acabou derrotado no Supremo Tribunal Federal. A Corte barrou a censura prévia e reafirmou a liberdade de expressão no país. Os medalhões da MPB poderiam ter evitado a nova cruzada inglória. Eles sabem que o Brasil não é mais uma monarquia — e que a democracia enfrenta riscos mais sérios que as piadas de um palhaço.
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