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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital. Desagua douro de pensa mentos.


    quinta-feira, novembro 11, 2021

    Casa grande e favela

     May be an image of book and text that says 'SERIE UNDAMENTO Ricardo Kotscho A PRÁTICA DA REPORTAGEM e editoraática'

    Escrevi recentemente sobre o hábito de ler jornais antigos, disponíveis gratuitamente no arquivo digital da Biblioteca Nacional. Disse que lia para tentar entender se o Brasil nunca havia dado certo, ou quando foi que começou a dar errado. E que eu percebia rupturas e avanços, e também a continuidade de algo endêmico e muito ruim. Você respondeu na sua coluna do Uol, e como bom repórter corrigiu a imprecisão, definindo “algo endêmico” como a nossa imensa desigualdade social.

    Respondo a você por aqui, mas antes, quero dizer que por muitos anos você foi para mim um livrinho azul, dos primeiros que li na faculdade, chamado “A prática da reportagem”. Até hoje, vejo seu nome e penso: Olha ali! O livro azul! E que boa surpresa, poder interagir com esse livro.

    Creio que a desigualdade é a consequência. As causas, ou o algo endêmico a que me refiro, são patriarcado, escravidão, latifúndio, monocultura, o poder da Igreja, o fatalismo da religião, coronelismo, caudilhismo e populismo, a subserviência econômica e cultural, o complexo de inferioridade, a baixa autoestima do brasileiro, burocracia, ineficiência, corrupção, sonegação, clientelismo, nepotismo, misoginia, racismo, pilhagens, a ignorância como projeto político, o preconceito secular ao trabalho manual, falta de senso de comunidade, destruição da memória, aparelhamento do Estado, desconexão entre eleitores e eleitos.

    O que preocupa é constatar que esses problemas, de formação, estão no cerne das notícias dos jornais de 70 anos atrás, de jornais de 50, 30 e 20 anos atrás, no cerne nas notícias da edição de hoje. Preocupa saber que o Brasil se mantém sobre estruturas arcaicas. O país parece funcionar sobre a base de uma Casa Grande cercada por mato alto e já em escombros, com reboco aparente, janelas quebradas e muito cupim, mas ainda sim Casa Grande, imponente na solidão de um descampado e carregada de histórias trágicas, as relações de poder e perversões se perpetuando e sendo transmitidas por hierarquia, do senhor, da sinhazinha, do menino, para o moleque, a mucama, o escravo.

    É de onde viemos, e parte do que somos. Livrar-se da base é um processo, incerto e não linear. Há momentos em que destruímos parte do casarão monstrengo (com inclusão, justiça, educação, trabalho, honestidade, liderança, senso de comunidade), e abrimos espaço para o novo. A gente faz um puxadinho, coloca a laje, vai fazendo pouco a pouco, com o que tem e do jeito que dá, e agora me vem à mente essa outra imagem para o Brasil, a de um país com crescimento desordenado como o das favelas, mas ainda assim crescimento, e genuíno. Em outros momentos, parece impossível demover essa casa assombrada de nosso destino, livrar-se das grossas paredes, dos alicerces sólidos, das histórias tristes.

    Vivenciei os anos Trump, e posso dizer que a luta pela democracia, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, é contínua, cansativa e barulhenta. O que me fez mais atenta à política americana foi a ameaça à democracia, à natureza e às pessoas, e creio que o mesmo está se passando no Brasil. O brasileiro está aprendendo a se politizar de modo doloroso (pela consequência em ter votado num candidato sem projeto de governo, pelas mortes, e pela fome). É um processo, que tem que ir além do bater de panelas, e tenho a impressão de que está indo. O Brasil está barulhento e raivoso. Há milhares, milhões de vozes. É exaustivo, mas essa bagunça é também saudável e bonita, e muito melhor do que o silêncio opressor de uma casa grande alijada do mundo.

    Que eu, e você, Kotscho (Livro!), possamos um dia voltar a sentir orgulho do Brasil que deu certo.


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