Síndrome de impostor, essa nova doença sexy, na minha época se chamava noção
Gregorio Duvivier
Teve uma época em que era charmoso ter TOC. Acho que foi na época de “Melhor É Impossível”. O transtorno em si tinha complicações demais, mas sua versão branda tornava a pessoa divertida. “Posso ajeitar esse quadro na parede? Tá me dando TOC”, diziam, como se consistisse numa singela afliçãozinha. Tucanaram a frescura. O TOC virou um defeito socialmente aceito, como a sinceridade e o perfeccionismo.
Ter TOC fazia de você uma pessoa imperfeita na medida certa pra ganhar carisma sem perder trabalho. Hoje, você tem que assumir pelo menos um defeito. Mas ninguém assume que é caloteiro ou tem mau hálito. Daí o TOC caiu como uma luva.
Só que logo ficou muito manjado, daí veio a onda do DDA. Não que não exista DDA. Mas muita gente distraída, hiperativa ou simplesmente lesa (eu, por exemplo) encontrou no DDA uma desculpa pra não prestar atenção no que não quer.
Antes que me acusem de DDAfobia, queria lembrar que tenho DDA — já falei disso nessa coluna e, se você não prestou atenção, talvez tenha DDA.
Esse ano surgiu uma nova doença sexy: a síndrome do impostor. Deve ser contagiosa, porque, do dia pra noite, todo o mundo começou a postar que sofre disso. Todo o mundo, não. Sobretudo influencers com milhões de seguidores. Parece que a síndrome faz você acreditar que é uma fraude e não merece o sucesso que tem. Na minha época, isso se chamava noção. Gourmetizaram a lucidez.
Não tem nada mais saudável do que duvidar de si mesmo o tempo todo. Uma pessoa que não suspeita que seja uma fraude não passa de uma fraude. Já uma pessoa que acredita sofrer de síndrome do impostor está dizendo que as suspeitas que tem sobre si mesmo não se sustentam —uma certeza que só os impostores têm.
O problema desse país é que tem muito impostor pra pouca síndrome. Imagina que beleza se Bolsonaro acordasse do transe e percebesse que não leva o menor jeito pra liderar coisa alguma. Imagina se generais suspeitassem que não têm competência pra assumir um Ministério da Saúde. Imagina um mundo em que os bilionários começassem a se perguntar se, de fato, merecem os bilhões que têm.
Se você acredita que não merece o sucesso que tem, parabéns. Não merece mesmo.
Ninguém merece. Sobretudo se você tem milhões de reais ou seguidores. Quem é que merece ser ouvido por milhões de pessoas? Você acha que sua dancinha na beira da piscina merece ganhar o mundo?
Tinham que ensinar síndrome de impostor nas escolas —sobretudo particulares. “Duvide do seu potencial. Você não vale nada. Não merece porra nenhuma. Se ganhar alguma coisa, é porque deu sorte. Agradeça e aproveite.”
FOLHA