Em oito dias, Ciro propõe trégua e rasga a bandeira branca
Bernardo Mello Franco
Durou só oito dias a “trégua de Natal” que Ciro Gomes propôs ao PT. Na segunda-feira, o ex-ministro rasgou a bandeira branca e divulgou um vídeo com ataques a Lula. Na manhã seguinte, voltou à carga contra o que chamou de “lulopetismo corrompido e neoliberal”.
Em entrevista ao Estadão, Ciro acusou o ex-presidente de ter conspirado pelo impeachment de Dilma Rousseff. A provocação não tinha lastro factual, mas o ex-ministro parece ter conseguido o que queria. Os petistas morderam a isca, e ele foi alçado de volta às manchetes.
Irritada, Dilma afirmou que Ciro “mente de maneira descarada” e está mergulhando no “fundo do poço”. O ex-ministro reagiu com mais agressividade, chamando-a de “incompetente”, “inapetente” e “presunçosa”. Num revide abaixo da cintura, Lula sugeriu que a Covid-19 teria deixado sequelas no cérebro do pedetista.
Depois de três tentativas frustradas, Ciro prepara a quarta candidatura ao Planalto. Ele imaginava chegar a 2022 como o principal adversário de Jair Bolsonaro. O plano foi por água abaixo quando Lula recuperou os direitos políticos e assumiu a dianteira nas pequisas.
Emparedado, Ciro contratou o marqueteiro João Santana para repaginar o discurso. Abandonou propostas identificadas com a esquerda e passou a cortejar o eleitorado conservador. Chegou a gravar um vídeo de propaganda com a Bíblia na mão, de olho no voto evangélico.
A guinada tem certa lógica. Se o petista mantiver a liderança folgada, restará a Ciro disputar a outra vaga no segundo turno. Para isso, ele precisará competir com Bolsonaro pelo papel de “anti-Lula”. O desafio é operar essa metamorfose sem atirar no próprio pé.
Em 2018, o pedetista decepcionou parte de seus eleitores ao negar apoio a Fernando Haddad e viajar para Paris na reta final da eleição. Ele é cobrado até hoje pela atitude, que implodiu os esforços por uma frente ampla contra Bolsonaro.
Três anos depois, Ciro se mostra mais empenhado em atacar o PT do que em combater a extrema direita no poder. “O egocentrismo político sempre foi e continua sendo a característica marcante de Lula”, disparou ontem. Pode ser, mas o ex-ministro não parece muito longe dessa descrição.
FOLHA