Vá ao supermercado, Guedes
Bernardo Mello Franco
Depois de ofender as empregadas domésticas, os filhos de porteiros e os pobres em geral, Paulo Guedes resolveu debochar de quem sofre para pagar a conta de luz.
O ministro desdenhou do novo reajuste nas tarifas, que deve ser anunciado na próxima semana. “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”, questionou, na quarta-feira.
Guedes conhece a resposta para a pergunta que fez. O aumento da bandeira vermelha não pesa apenas nas tarifa residencial. Também eleva os custos de produção, o que deve resultar em mais inflação no varejo.
No mês passado, os preços já subiram 0,96%, na maior variação de julho nos últimos 19 anos. A alta foi puxada pelo custo da energia. Isso indica que o IPCA deve continuar a subir, apesar do baixo crescimento econômico.
No acumulado de 12 meses, o índice já encosta nos 9%. O mercado, que costumava embarcar nas promessas do ministro, acaba de elevar a estimativa de inflação pela 20ª semana consecutiva. Depois de atacar o IBGE por causa dos números do desemprego, Guedes terá de inventar outra desculpa para rebater o Boletim Focus.
Na quarta-feira, o ministro tentou se esquivar das críticas com mais conversa fiada. “O problema agora é que está tendo uma exacerbação porque anteciparam as eleições”, disse. Faltou lembrar que o chefe dele foi o primeiro a subir no palanque antes da hora.
Ontem Guedes fez mais provocações. Afirmou que a luz vai subir e “não adianta ficar sentado chorando”. Ele ainda sugeriu que os governadores querem “faturar em cima da crise” com a arrecadação de ICMS sobre o consumo de energia.
O ministro imitou um truque de Jair Bolsonaro, que tenta culpar os governos estaduais pela disparada dos combustíveis. O tucano João Doria já derrubou esse discurso com um dado objetivo: São Paulo cobra a mesma alíquota desde 2015, e a gasolina quase dobrou de preço no mesmo período.
As falas de Guedes combinam elitismo, insensibilidade e um certo
gosto pela ficção. Em março, ele tentou se vender como um campeão de
popularidade. “Eu entro no supermercado e as pessoas me agradecem”,
disse. O ministro deveria se submeter ao teste da gôndola agora, mas com
testemunhas. Será uma experiência inesquecível.
O GLOBO