Não fique muito confortável
"Federici começa observando que os homens e as mulheres medievais, em grande parte, compartilhavam o seu trabalho, que acontecia dentro ou no entorno da casa. Providenciavam comida, confeccionavam objetos necessários para viver, e criavam os filhos, juntos. Às mulheres era permitido ganhar dinheiro; de fato, certos ofícios, como a cervejaria, em muitos locais era dominado por mulheres. Os servos tinham que trabalhar para seus senhores, e penavam sob taxações excessivas, mas também tinham acesso à terra em comum para atenderem às suas necessidades básicas. Apesar de distinções claras entre classes, os europeus ocidentais levaram uma vida profundamente mais comunitária do que seus descendentes atuais.
Na Inglaterra a ascensão do capitalismo veio junto com o conceito de áreas cercadas, a consolidação de terrenos comunitários em estâncias maiores pertencentes a um único dono. À medida que mais terras cultivadas foram se tornando propriedade privada, aumentou o número de pobres e famintos, levando a revoltas populares. Federici coloca que, como parte desse processo, as mulheres perderam seus direitos mercantis e foram forçados à labuta reprodutiva; em outras palavras, sua ocupação principal passou a ser parir outros trabalhadores, e de graça. Os corpos das mulheres tornaram-se propriedade dos homens, uma recompensa pela terra que perderam.
Mulheres mais velhas, que foram marginalizadas e depauperadas por esses desenvolvimentos sociais, resistiram a eles pedindo esmolas, jogando maldições sobre os que as rejeitavam e comercializando o seu conhecimento de métodos contraceptivos. Eram queimadas como bruxas numa demonstração de força com a intenção de mantê-las todas na linha. A rapinagem do capitalismo, incluindo a captura de terras públicas e os trabalhos forçados, foi então exportada para fora da Europa, através da colonização e do tráfico de escravos."
- Irina Dumitrescu