Paulo Guedes e o desemprego dos outros
Bernardo Mello Franco
Paulo Guedes encontrou um bode expiatório para os quase 15 milhões de desempregados no país. Na visão do ministro, o problema não está em sua política econômica. A culpa seria do IBGE, que mede a população em busca de trabalho.
Contrariado com os números, Guedes disse que o instituto está “na idade da pedra lascada” e ameaçou “rever” seus procedimentos. Não foi a primeira nem a segunda vez que ele agrediu o órgão federal de estatísticas.
No segundo mês do governo, o ministro entregou a presidência do IBGE a uma amiga de sua filha. Ela não tinha experiência em gestão pública e assumiu o lugar de um servidor de carreira.
Sua posse foi um espetáculo de constrangimento. Guedes propôs vender a sede do instituto e cobrou uma redução nas perguntas do Censo, alegando falta de verbas. Questionado sobre os danos à pesquisa, disse: “Se perguntar demais, você vai acabar descobrindo coisas que nem queria saber”. A frase ajuda a entender seu desinteresse pela situação dos desempregados.
O ministro foi vendido como um liberal entre os bolsonaristas, mas nunca passou de um bolsonarista entre os liberais. Suas declarações misturam grosseria, preconceito e desprezo pelos mais vulneráveis. Ele já debochou das empregadas domésticas que foram à Disney, ofendeu a primeira-dama da França e endossou a teoria conspiratória de que a China “inventou” o coronavírus.
Nos últimos meses, o doutor radicalizou o discurso antipobre. Criticou o Fies por levar “filho de porteiro” à universidade e sugeriu a distribuição de restos de comida para os miseráveis.
Guedes pertence a uma categoria especial de bolsonarista: a dos auxiliares que reagem a humilhações com mais provas de subserviência ao chefe. O economista foi desautorizado diversas vezes, mas nunca reclamou. Agora terá o ministério fatiado para dar abrigo a Onyx Lorenzoni, que já fracassou em três pastas diferentes.
Em vez de pedir o boné, o economista imita os modos do capitão. Desde o início do governo, Bolsonaro tenta desacreditar o IBGE. Num dos ataques, disse que os indicadores oficiais seriam “feitos para enganar a população”.
Ao repetir a bobagem, Guedes exaltou os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, que registrou aumento das vagas formais. Ele não precisava de um PhD em Chicago para saber que a comparação é imprópria. O Caged só contabiliza empregos com carteira assinada. Os dados do IBGE incluem o mercado informal, onde ralam 40% dos brasileiros.
O negacionismo de Guedes expõe seu descaso com quem corre atrás de trabalho. O ministro só se preocupa em manter o próprio emprego no governo.