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    segunda-feira, agosto 23, 2021

    Cabul caiu. Caiu por que?

    Por Dorrit Harazim


    Cabul caiu. Caiu por quê? O mundo acompanha aturdido as cenas dilacerantes que marcam a troca de regime no Afeganistão. E quer entender, julgar, opinar — embora até ontem, do Afeganistão, se conhecesse pouco além da fotografia da menina de penetrantes olhos verdes na capa da National Geographic (Steve McCurry, 1984) ou do filme e best-seller mundial “O caçador de pipas”, de Khaled Hosseini. Há pressa em explicar a implosão do regime afegão mantido de pé pelos EUA por 20 anos e medo pelo ominoso retorno ao poder do Talibã.

    A História tem menos pressa. Ken Burns e Lynn Novick precisaram de 40 anos de recuo para construir a monumental série televisiva em dez partes sobre a Guerra do Vietnã. O livro extraído da série, “The Vietnam War — An intimate story”, pode servir de roteiro a quem vê raízes aparentadas na derrocada do colosso militar americano em 1975, e agora no Afeganistão.

    Após o acordo assinado em Paris por EUA, Vietnã do Norte (comunista) e Vietnã do Sul (apoiado pelos americanos) em 1973, uma cerimônia formal civilizadíssima parecia indicar um final decente. Enquanto na Hanói comunista o regime liberava o último lote de prisioneiros de guerra americanos, no aeroporto de Saigon (a capital do Sul, hoje Cidade de Ho Chi Minh) os últimos 68 combatentes americanos partiam do solo vietnamita em cumprimento ao acordo. Restavam os não uniformizados: adidos militares, diplomatas, terceirizados, agentes da CIA, além de 150 fuzileiros navais para proteger a embaixada.

    Restava, sobretudo, o presidente Nguyen Van Thieu, que comandava o Vietnã do Sul à base de bravatas sustentáveis apenas enquanto contou com o poderio dos EUA. Com o dinheiro e assistência americanos, montara um exército de 1 milhão de soldados — nominalmente o quinto maior do mundo. Na realidade, grande parte desse milhão era constituído por “soldados-fantasmas” (inexistentes), “soldados ornamentais” (presentados com postos longe da guerra) e “soldados decorativos” (só precisavam comparecer a cerimônias).

    A garantia de ajuda militar caso a situação deteriorasse, recebida de viva voz do presidente Richard Nixon — “Você pode contar conosco” —, deixou de valer a partir de 8 de agosto de 1974. Nixon renunciara, atolado pelo escândalo Watergate, e seu sucessor Gerald Ford foi impedido pelo Congresso de liberar qualquer nova assistência militar a Saigon. Sem a proteção aérea dos B-52 e com a economia em colapso desde a retirada militar dos EUA, o regime de Thieu foi se esmigalhando em corrupção e roubalheiras a partir do próprio palácio presidencial. “Um pouco de corrupção azeita a máquina”, contemporizava Graham Martin, embaixador despachado por Ford ao Vietnã.

    Hoje há concordância quanto à responsabilidade singular de Martin na horrenda debacle humanitária que se seguiu. O diplomata, além de guerreiro frio por convicção, perdera um filho em combate no Vietnã e abrigava um rancor sem freios pelo regime de Hanói. Até o desfecho horrendo, recusou-se a fazer qualquer planejamento de evacuação. Informado de que até seis divisões do exército eram dizimadas em semanas, rebateu a proposta da CIA para a evacuação de cerca de 200 mil colaboradores sul-vietnamitas com um “minhas fontes são melhores; vamos salvar a situação”. Criou-se o ilusionismo de uma “retirada estratégica” que transformaria Saigon numa Stalingrado, até o Norte aceitar negociar um novo governo de coalizão.

    Faltando 13 dias para a queda do regime, foi a vez de o comandante naval da região apresentar quatro opções de evacuação ao embaixador. Por ordem de facilidade: 1) em voos comerciais; 2) em aviões de transporte militares; 3) por mar em navios ancorados em Saigon; ou 4) como último recurso, em voos de helicóptero até a flotilha de guerra no Mar da China. Todas foram recusadas.

    Diante da iminente hecatombe, Washington fez saber a Thieu que sua renúncia seria bem-vinda. Um manda, outro obedece. Num discurso televisionado de 90 minutos, entre furioso e choroso, ele proclamou: “Vocês, americanos, com seus 500 mil soldados, vocês não foram derrotados... Vocês saíram correndo. Vocês nos deixaram morrer sob fogo inimigo... Estou renunciando, mas não estou desertando”. Cinco dias depois, na calada da noite, sua limusine negra encostou na pista ainda aberta do aeroporto da capital. O DC-6 que o aguardava decolou no escuro.

    Nenhuma das três primeiras opções de evacuação resistiu ao avanço comunista. Sobrou a pior. Às 10h48 da manhã de 29 de abril de 1975, em Saigon, a rádio designada para transmitir a senha de evacuação começou a tocar “White Christmas”, seguida de mensagem pouco críptica: “A temperatura em Saigon é de 105 graus Fahrenheit e subindo”. Iniciava-se o trevoso vaivém de 50 helicópteros entre a flotilha de navios de guerra e três pontos de resgate em Saigon — dois na embaixada, o terceiro num anexo dos EUA próximo ao aeroporto. Keyes Beech, veterano correspondente daquela guerra, descreveu assim o próprio horror ao procurar refúgio na embaixada: “Em meio à multidão ensandecida, não éramos mais jornalistas. Éramos apenas homens em luta pela vida, empurrando, rasgando, atropelando quem estava à frente. Éramos como animais. Agora eu sei, pensei comigo, como é ser vietnamita. Sou um deles. Mas, se eu conseguir pular o muro, volto a ser americano”.

    Quando os comunistas irromperam no palácio presidencial, encontraram um retrato rasgado de Gerald Ford e uma citação emoldurada de Lawrence da Arábia: “Melhor deixá-los fazer o que devem de forma imperfeita do que fazê-lo você mesmo, pois o país pertence a eles, a seus modos, enquanto seu tempo é curto”. Vale para o Afeganistão de hoje.

    Dorrit Harazin - assinatura


    ilustração MARCELLO 

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