Ao insinuar que seus opositores são maconheiros, Bolsonaro soa como doidão
JOSIAS DE SOUZA
A cabeça de Bolsonaro funciona como um terreno baldio onde os filhos e ele próprio atiram a sujeira que compõe o seu linguajar de sarjeta. O país já se habituou à falta de compostura do presidente. Mas alguém da assessoria da Presidência deveria mandar examinar a água do Alvorada. Algo foge ao controle. Nesta segunda-feira, o capitão soou em timbre, digamos, meio doidão.
Em conversa com os devotos do cercadinho do Alvorada, Bolsonaro comentou as manifestações anti-bolsonaristas de sábado. O asfalto gemeu em mais de 200 cidades. As aglomerações foram maciças em São Paulo e no Rio. Mas o capitão viu as ruas vazias. Insinuou que faltou aos seus opositores o estímulo de um entorpecente.
"Você sabe por que tem pouca gente nessa manifestação da esquerda agora, no último fim de semana?", indagou Bolsonaro, antes de emendar: "Porque a PF e a PRF estão prendendo muita maconha pelo Brasil. Faltou erva para o movimento." Já se sabia que faltavam vacinas. Confirma-se que faltam também miolos ao presidente.
A característica fundamental da dificuldade de julgamento do brasileiro é ter que ouvir Bolsonaro incontáveis vezes para chegar à conclusão de que ele não tem nada de aproveitável a dizer. Aglomerador contumaz, não dispõe de autoridade para condenar aglomerações alheias. Recorre, então, à ironia. É como se estivesse decidido a validar a tese segundo a qual a reativação das ruas tornou-se inevitável porque Bolsonaro é mais perigoso do que o vírus.
Embora ainda não tenha notado, Bolsonaro é a principal vítima do seu próprio discurso. Ao negligenciar a compra de vacinas no ano passado, grudou o seu rosto no semblante da crise. O primeiro passo para se dissociar do problema seria passar uma imagem de tranquilidade. Não consegue.
A teoria de que há algo errado na água do Alvorada é a opção mais benigna. A alternativa seria admitir que há no Planalto um presidente incapaz de lidar com suas incapacidades.