As mentiras do general
BERNARDO MELLO FRANCO
Eduardo Pazuello vestiu terno e gravata, mas falou à CPI como se estivesse de farda. Camuflado de civil, o general parecia enxergar os senadores como um bando de recrutas. Chegou a censurar as perguntas do relator, que classificou como “simplórias”.
Protegido por um habeas corpus do Supremo, o ex-ministro se sentiu livre para mentir. Mentiu sobre a negociação de vacinas, a indicação de remédios milagrosos e a omissão na crise de falta de oxigênio em Manaus. Mentiu até sobre a própria saúde, ao negar o piripaque que interrompeu seu depoimento na quarta-feira.
Pazuello foi à CPI com uma missão clara: blindar Jair Bolsonaro e assumir a responsabilidade pelos desmandos na pandemia. Para proteger o chefe, renegou sua frase mais famosa: “Um manda, o outro obedece”. Na nova versão, o capitão nunca deu ordens ao general. Só produziu frases de efeito para animar seguidores na internet.
O senador Flávio Bolsonaro voltou a atuar como cão de guarda do pai. Vigiou o ex-ministro para evitar que ele se desviasse do roteiro combinado. Na saída, elogiou Pazuello pelo bom comportamento. Só faltou condecorá-lo com uma medalha a mais para o uniforme.
Na tentativa de arrancar alguma revelação, a oposição apelou aos brios do general. O senador Rogério Carvalho disse que ele parecia um ajudante de ordens do capitão. Otto Alencar expôs sua ignorância sobre o coronavírus. “O senhor não sabe nem o que é a doença. Não podia ser ministro da Saúde”, sentenciou.
Para alívio do governo, o general conseguiu se manter na linha. Não convenceu ninguém do que dizia, mas evitou a explosão de nervos temida pelo Planalto. Ele também foi ajudado por senadores que, em vez de apertá-lo, preferiram subir no palanque e discursar para a TV.
Em tom de desafio, Pazuello disse que era um oficial-general e não
precisava ser lembrado do compromisso de dizer a verdade. O regulamento
do Exército trata a mentira e a omissão como transgressões
disciplinares. “Uma coisa que não tem dentro do Exército é enrolação”,
concordou o senador Omar Aziz. Mesmo assim, o ex-ministro se sentiu à
vontade para enrolar a CPI.