Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital.
Desagua douro de pensa mentos.
sábado, março 06, 2021
Miséria volta à rotina do brasileiro após o fim do auxílio emergencial
"O sol do meio-dia brilhava inclemente quando a trabalhadora rural
Percileide de Souza, de 32 anos, caminhava de volta para sua casa, no
município de Caracol, na divisa do Piauí com a Bahia, carregando na
cabeça cerca de 40 quilos de pedaços de madeira, amarrados numa corda.
Ela havia saído de casa antes de o dia clarear. Com os galhos coletados,
acenderia o fogo para cozinhar arroz, feijão e ovos para as duas
filhas, de 7 e 10 anos, e para o marido, também agricultor. No ano
passado, Percileide havia deixado de cumprir essa rotina extenuante. Com
a primeira parcela do auxílio emergencial de R$ 600 recebida em julho,
aprovada pelo Congresso e paga pelo governo de Jair Bolsonaro, a família
comprou um fogão a gás de segunda mão por R$ 120. O mesmo benefício foi
usado para comprar um botijão no valor de R$ 85, que durou quatro
meses. A família da agricultora também havia voltado a comer carne de
bode depois de quatro anos. Com o fim do benefício, o ovo retomou o
posto de principal item da única refeição diária, novamente preparada no
fogão a lenha. Zurilda Mathias Maia, de 50 anos, viu o auxílio
desaparecer no pior momento de sua vida, quando caiu da moto que a
transportava e quebrou um braço, ficando impedida de continuar
trabalhando na lavoura, onde recebia R$ 15 por dia. Domingas Alves
Correa, de 23 anos, mãe de um menino de 5, recebia parcelas de R$ 1.200
pelo fato de não ter ajuda para sustentar a criança. No ano passado,
comprou comida farta e uma cama para a mãe, Antonia Alves Rocha, de 60
anos. Agora, recebe apenas os R$ 120 do Bolsa Família, insuficientes
para comprar o básico para seu sustento e para custear o farelo que
alimenta seus porcos no casebre onde vive em Guaribas, no Piauí, mesma
cidade de Zurilda.
Em julho do ano passado, ÉPOCA esteve no sertão
do Piauí, nas divisas com a Bahia e Pernambuco, para verificar o impacto
do auxílio emergencial na vida de uma das populações mais carentes do
Nordeste e que também é inteiramente dependente dos programas sociais do
governo federal. Naquele período, quando se iniciaram os pagamentos dos
auxílios de R$ 600 e R$ 1.200 mensais, o cinturão de pobreza formado pelos municípios de São Raimundo
Nonato, São Braz do Piauí, Anísio de Abreu, Jurema, Caracol e Guaribas
havia se transformado. Comércio lotado, consumo de alimentos antes
inacessíveis, como carne bovina, além da compra de eletrodomésticos e
ferramentas agrícolas. De volta ao local no final de janeiro, período em
que se completaram 30 dias do pagamento da última parcela do benefício,
a reportagem refez o caminho entre as cidades durante quatro dias e
encontrou um cenário muito diferente. Miséria, fome e comércio parado,
além de uma grande insatisfação com o governo Bolsonaro, no lugar do
sentimento de gratidão encontrado meses antes. “O presidente cortou como
se não precisássemos mais. Ele deveria vir aqui em Guaribas ver como a
vida é desgraçada. Muita gente passa fome. Nossos vizinhos não têm
dinheiro nem para comprar água”, reclamou Domingas, que em julho tinha
uma boa avaliação de Jair Bolsonaro, apesar de ter votado em Fernando
Haddad em 2018 — mas disse já ter mudado de ideia.
Percileide de Souza, de 32 anos, é mãe de dois
filhos. Comprou um fogão usado com o dinheiro do auxílio, mas agora, sem
receber a parcela, não consegue mais comprar o gás. Por isso, voltou a
recolher galhos para o fogão a lenha. Foto: Edilson Dantas / Agência O
Globo
Guaribas é o emblema de um Brasil cuja
sobrevivência está atrelada aos programas sociais do governo — e que
hoje responsabiliza Jair Bolsonaro pelo fim de uma bonança momentânea.
leia reportagem de
Ullisses Campbell, de Guaribas, e Pedro Capetti, com fotos de Edilson Dantas