A polícia toma o poder
"Para o antropólogo Luiz Eduardo Soares, o “empobrecido debate” em torno da segurança pública no Brasil tende a rejeitar o conceito de que ações policiais bem-sucedidas devem minimizar o uso da força e não podem se deixar contaminar pela desigualdade social e pelo racismo. Ainda impera no país a noção equivocada de que, em última instância, a polícia tem a missão de proteger os ricos brancos dos pretos pobres. Isso acaba por alimentar ideias reacionárias, “trogloditas”, a favor de mais violência policial e mais encarceramento. “Essa pequena dramaturgia, repleta de personagens grotescos, discursos simplórios e emoções performáticas, dialoga com sentimentos primários do eleitor, como o medo, a insegurança e a necessidade de proteção, num sentido mais patriarcal. Surge aí a figura do herói fardado, uma caricatura fascista”, explica Soares.
Em 2011, o Brasil tinha 504 policiais militares ou civis em cargos eletivos: um senador, doze deputados federais, 46 deputados estaduais, dezenove prefeitos e 426 vereadores. Nove anos depois, tem 880: dois governadores (Rondônia e Santa Catarina), quatro senadores, dezesseis deputados federais, noventa deputados estaduais, cinquenta prefeitos (incluindo o de uma capital, Vitória) e 718 vereadores. No pleito de novembro, Edos 8 mil profissionais ligados às forças de segurança que se lançaram candidatos, 859, ou 10,7%, se elegeram. Um percentual alto, na avaliação de Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para ele, o crescimento está diretamente ligado a 2013, ano em que mobilizações populares explodiram no país e evidenciaram a fúria da sociedade contra os políticos tradicionais. “Desde então, parece haver um cansaço de parte dos eleitores em relação ao discurso mais voltado para os direitos humanos. Paralelamente, ocorre uma valorização das iniciativas de combate à corrupção. Daí o avanço da retórica de direita, conservadora, que legitima o policial nas urnas, como uma alternativa viável de poder.”
LEIA REPORTAGEM DE ALLAN DE ABREU : A polícia toma o poder