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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital. Desagua douro de pensa mentos.


    sábado, janeiro 02, 2021

    Por quem os sinos silenciam?

     

     

     

    LOR

    Minha mãe avaliava a plenitude e a qualidade da vida de uma pessoa pela quantidade de gente no seu velório e sepultamento. Nada poderia ser, para ela, mais triste do que constatar o enterro solitário de alguém. Por maior que tivesse sido a vida vivida por aquele falecido, sua grandeza poderia ser perdida se o morto não recebesse as derradeiras homenagens das amizades que cultivara durante sua existência.

    Os neurocientistas vêm demonstrando que mamãe estava certa. Eles descobriram que a alma humana funciona com um viés psicológico chamado “efeito pico-fim”, segundo o qual avaliamos nossa experiência emocional a partir de dois momentos: o ponto máximo (de dor ou de tristeza, alegria etc.) e o final daquela experiência. Nossa mente soma estes dois momentos e divide o total por dois: o resultado é nossa lembrança emocional daquilo que foi vivido.

    A pandemia vem nos impossibilitando de despedir, de comparecer ao velório e sepultamento de pessoas amigas e queridas, impedindo-nos de criamos um momento final de dignidade e respeito por aquela vida que se vai. Pela métrica de minha mãe e dos neurocientistas, a qualidade e importância destas vidas, muitas delas longas e cheias de grandes histórias, foram rebaixadas forçadamente a um final sem homenagem, sem amigos e parentes, sem o reconhecimento do humano que existe em nós. Apenas três ou quatro pessoas autorizadas a testemunhar o barulho da terra sendo empurrada sobre a cova, selando a perda definitiva de uma parte de nós.

    Não há sinos dobrando, não há cortejo fúnebre a percorrer alguma estrada simbólica que nos remeta à passagem daquela pessoa por entre nós. Nada a indicar a possível dignidade e ligações afetivas de quem está partindo, apenas o silêncio frio dos hospitais, os procedimentos técnicos das funerárias, o trabalho estoico e anônimo dos coveiros e uma oração, inaudível por causa do abafamento das vozes causado pelas máscaras de dois ou três parentes.

    Este apagamento traumático de tantas histórias recai sobre a vida daqueles que continuamos sobreviventes, ausentados da presença do ente que se foi, desvalorizados em nossas próprias existências, cujos sentidos se constroem nos laços de amor, amizade, companheirismo e solidariedade.

    Os neurocientistas descobriram também que somos incapazes de lidar com grandes números, então nossa indignação não aumenta de forma proporcional quando passamos de uma para algumas mortes, depois para 30, para 1200, 50 mil... Assim, vamos nos tornando involuntariamente insensíveis, enquanto acompanhamos à distância, dia a dia, os milhares de corpos sendo sepultados em série. Junto com eles é enterrada parte da nossa empatia, o principal valor que nos constitui como seres humanos.

    Por isso, boicotar o sistema de saúde no combate à pandemia é crime contra a humanidade. Um crime hediondo, na dimensão crescente das atuais 200 mil mortes no Brasil, grande parte delas evitáveis se não estivéssemos sendo governados por criminosos de extrema direita.

    Que no próximo ano tenhamos a força necessária para criarmos maneiras de fazer o principal responsável e sua horda pagarem pelo genocídio que estão cometendo.

    Nesse dia, os sinos haverão de dobrar em homenagem aos mortos que se foram em silêncio compulsório e assim resgataremos um pouco a nossa despedida, para que a dignidade da vida possa retornar.


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