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    segunda-feira, julho 20, 2020

    Saudades dos meus butequins

    LUIS PIMENTEL

    No Buteco do Jisus, em Botafogo, eu perguntava (só de sacanagem, porque o cardápio era sempre o mesmo):
    “Alípio, o que tem hoje?”
    “Você escolhe. Bife ou frango. Arroz e feijão acompanha. Pode ser com ligume ou com virdura.”
    “O que é o legume, Alípio?”
    “Ligume é ligume, oxente! Batata, chuchu e cenoura.”
    “E a verdura?”
    “Virdura é virdura. Alface, tumate e cibola.”
    “Pode vir também um ovo?”
    “Pode. Mas aí é fora à parte...”

    ***
    Que nem no samba que compus com Paulinho do Cavaco, “Saudades dos meus botequins”, tinha "um gato dormindo em cima da janela e no alto São Jorge matando um dragão". Era um singelo e legítimo boteco no Catumbi.
    Eu enfrentava os dias de nordestino tentando a vida no Rio, espremido em quartinho alugado na Heitor Carrilho. A caminho de casa, no fim do dia, parava ali pruma gelada e para apreciar a elegância de uma frequentadora histórica: sempre sozinha, cigarro no bico e garrafas em cima da mesa. Devia ter uns cinquenta anos, era bonita e silenciosa. Lá pras tantas pagava a conta, fechava a bolsa, arrumava os cabelos com as mãos e sumia pelas ruelas do bairro. Ninguém sabia ao certo onde morava.
    Tempos depois, no meu inventário de ausências, passei por ali, curioso. O boteco se acabara, a cliente misteriosa provavelmente também. Hoje fiz um brinde sozinho, em homenagem a ela e aos cenários e personagens que a cidade vai vertiginosamente enterrando.

    ***
    Diz um verso genial de Aldir Blanc (pleonasmo!), musicado por João Bosco: "Pistola em butequim não dá bom carma / Melhor trocar o berro pela Brahma".
    Pois o sujeito chegou no Buteco do Bira, na Correa Vasquez (Estácio) e estacionou ruidosamente o trezoitão na mesa, pediu uma batida da casa e grunhiu:
    “Vou matar!”
    Covarde desde menino, fui logo pedindo a conta pra bater em retirada, quando o Bira me acalmou:
    “Relaxa. Ele diz isso toda vez que briga com o namorado.”
    Assustei-me, pois naqueles tempos não era tão comum assim:
    “Namorado?!”
    “Da mulher dele.”

    ***
    Essa o Luiz Guimarães de Castro botou num filme dele, o curta “O carnaval e os desenganos”: O folião chegou no bar Bip-Bip, no finzinho do Carnaval, e puxou uma cadeira. Despejou os cotovelos sobre a mesa e grunhiu: “Uma cerveja, estupidamente gelada”.
    Alfredo, dono do estabelecimento, grunhiu mais alto:
    “ Só tem quente”. “Serve”, gemeu o folião, caindo imediatamente num pranto de derrubar encostas. Tão sincero que até o Alfredo se comoveu:
    “Que foi, querido?” Acarinhado, o sujeito abriu o verbo: “Você sabe o que é ter um amor, meu senhor, ter loucura por uma mulher, e depois encontrar esse amor, meu senhor, nos braços de um motorista de ônibus?”
    Corno em fim de festa é comum, mas plagiando Lupicínio Rodrigues, não é a toda hora que se encontra. Alfredo tentou ajudar: “Qual é a linha?” “Nenhuma. Piranha da pior espécie”. “Estou falando do Ricardão. Qual é a linha que ele pilota?” “571, Glória-Leblon, via Jóquei.”
    O comerciante enxugou uma lágrima discreta:
    “É duro mesmo. Se pelo menos a vadia tivesse escolhido um motorista do 572, que é via Copacabana...”

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