Cancel culture', a patrulha ideológica 2.0
/https%3A%2F%2Fogimg.infoglobo.com.br%2Fepoca%2F24180983-57a-69f%2FFT1500A%2F690%2Fx200109_1122_CancelCulture_KANYE.jpg.pagespeed.ic.DEk4Vd_f9q.jpg)
"Fenômeno originalmente americano que tem se replicado pelo mundo — no
Brasil, inclusive —, a cancel culture é a versão 2.0 do que antigamente
se chamava de patrulha ideológica. Temperada pelas fixações
identitárias da esquerda universitária e turbinada pelas redes, as novas
patrulhas são a face mais estridente da política woke (desperto,
atento, em inglês), também criticada por Obama. O programa woke
incorpora causas em princípio justas e razoáveis — combate ao racismo, à
discriminação de gays e transgêneros e à desigualdade de gêneros. Mas
ser woke consiste não tanto em defender esta ou aquela ideia: trata-se,
antes, de compartilhar certa hipersensibilidade a ofensas, reais ou
imaginárias, contra minorias. “Ofensivo” é a sentença terminal da cancel
culture, e é significativo que os cancelamentos, com um punhado de
exceções — o produtor Harvey Weinstein, que enfrenta denúncias numerosas
de assédio e abuso sexual, e o músico R. Kelly, acusado de abusar
sexualmente de adolescentes —, raramente incidam sobre pessoas que
cometeram crimes ou transgressões objetivamente comprováveis. Em geral,
uma pessoa é cancelada por algo que ela tenha dito. E a expedição de
vereditos sumários não se limita a celebridades distantes: um colega de
classe também pode ser cancelado, com toda a carga de censura e suposta
“desonra” que isso carrega. O jornal The New York Times
publicou, dias depois de Obama ter criticado a cancel culture, uma
compilação de testemunhos de estudantes do ensino médio e dos primeiros
anos de faculdade sobre o tema. Uma menina relatava ali a experiência de
ser cancelada aos 15 anos. Como ninguém mais falava com ela, a
adolescente resolveu perguntar a uma antiga amiga, por mensagem de
celular, por que estava recebendo aquele tratamento de silêncio. A amiga
consultada chamou outras colegas para a conversa, e a jovem cancelada
recebeu uma torrente de impropérios — “mesquinha”, “sanguessuga
emocional” — pelo Instagram. “Todo mundo faz coisas questionáveis ou diz
coisas estúpidas. Mas as redes sociais permitem que as pessoas peguem
algo que você disse no passado e transformem isso no que você é”,
queixou-se a jovem."