A sombra de si mesmo - Época

"As duas vozes de Bolsonaro se alternam entre a confirmação narcísica daqueles que lhe são assemelhados, em imagem e indignação, e a inversão odiosa para o “eles”, que também a ele se assemelham, mas como imagem invertida, conspiratória e traidora. Senão vejamos. Sua ascensão incorporou quatro filhos e uma esposa, confirmando a tradicional política de clãs, todavia isso não é vivido como uma vergonhosa contradição, mas como defesa do que é nosso: nossas terras feitas de nióbio, nosso país livre de estrangeiros, nossa família de homens brancos. É a defesa da série materna, do corpo purificado das mulheres “fraquejadas”, das crianças e dos indefesos. Do outro lado estão “eles”, os indígenas obstrutores, quilombolas indolentes, desempregados aproveitadores e, sobretudo, homossexuais. A divisão maltratada, no nível do sujeito, cria uma projeção, a partir da qual tudo que é intolerável e inadmissível é deslocado para o outro. Inversamente, o campo das identificações por semelhança precisa estar em contínua expansão para aumentar a idealização crescente de quem somos nós. Lembremos que o Vale do Ribeira, na infância de Bolsonaro, era uma região de extrema pobreza, com muito desemprego, além de uma população de indígenas e, coincidentemente, quilombos. Assim fica fácil perceber que Bolsonaro está às voltas com a negação de sua origem, com o apagamento de sua história, criando um grandioso mito familiar para compensar sua humilhação infantil."
mais na análise de Christian Ingo Lenz Dunker : A sombra de si mesmo - Época: