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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital. Desagua douro de pensa mentos.


    terça-feira, agosto 23, 2016

    "Vi tanta gente ser torturada de uma forma tão dolorosa e profunda ..."



    Matheus Nachtergaele lê Fernando Gabeira

    GABEIRA - Vi tanta gente ser torturada de uma forma tão dolorosa e profunda que acho até indecente falar de mim mesmo. Assisti a processos tão dolorosos...

    Ziraldo - Fala do que você viu.

    GABEIRA - Vi gente pisando nos culhões de uma pessoa. Esmagando. Tive um companheiro de cadeia que tava com os testículos esmagados. Vi esse tipo de coisa. Vimos Bacuri passando com uma cratera no lugar do olho. Arrancaram o olho dele.

    Ziraldo - Gabeira, eu quero que você fale da sua experiência pessoal, do medo da dor, da dor, do medo da morte, da presença da morte.

    GABEIRA — Ziraldo, eu gostaria muito de falar do meu sofrimento mas o sofrimento das pessoas que eu vi foi muito maior. E o sofrimento das pessoas que não tinham nada que ver com tudo foi muito maior ainda. Isso não aconteceu com um brasileiro, apenas. Quase todas as pessoas foram violentadas, de alguma forma, pela repressão. Aquele cara que ia pro Maracanã, por exemplo... Pararam com o carro na calçada e ele falou pro amigo: "Não pára aqui que os caras do Detran vão reclamar" . O amigo respondeu: "Não enche o saco. Me espera que vou ali na esquina fazer o que tenho que lazer e depois vamos embora". Mas esse lugar tinha sido entregue para a polícia e o cara, de dentro do carro, de repente, viu uma porção de gente de metralhadora prendendo seu amigo. "Pôxa, o Departamento de Trânsito tá se excedendo. Tá certo multar, mas não precisa vir de metralhadora."

    Ziraldo — Era um inocente no meio da guerra.

    GABEIRA - Foi pra lá e falou: “Os senhores me desculpem mas pôxa... Tá certo, ele transgrediu, tá parado era cima do passeio, mas os senhores não podem chegar de metralhadora. Os senhores multem e nos deixem ir embora que tenho um jogo no Maracanã". Pá! Vai preso e é torturado violentamente porque acharam que era um militante altamente sofisticado, que usava a bandeira do Flamengo e não falava nenhum termo político. Um homem comum como milhares de outros! Imaginem um homem comum preso lá dentro... PÁ! PA! Muita porrada! "Qualé tua organização?" Horas e horas de porradas e perguntas. Então ele disse o nome da firma pra que trabalhava. Como se dissesse "Gomes de Almeida, Fernandes", por exemplo. "Qualé o teu nome de guerra?" Dias de porrada pra dizer o nome de guerra! Até que falou: (COM VOZ QUEBRADA) "Quando eu era pequeno me chamavam de Toninho". Isso é que é trágico. Ficou 30 dias em cana e saiu completamente louco. Os militantes estavam preparados, tinham seus manuais de como enfrentar isso, mas como esse flamenguista, centenas de brasileiros foram presos sem ter nenhuma relação.

    Ziraldo — O que a gente sabe de história desse tipo!

    GABEIRA — A idéia que a gente tem é a de que os torturados foram só os chamados militantes da guerrilha. Mas centenas de pessoas foram torturadas porque, por exemplo, emprestaram livros. Um amigo meu foi torturado vários dias porque era meu avalista. E antes de eu ter atividade política. Sinto mais profundamente a violência contra ele do que contra mim. O que eu esperava deles era pau e o que eu dava era pau. Eu estava psicologicamente preparado pra enfrentar aquela situação.

    Geraldo — Mas poderia morrer, como várias pessoas morreram.

    GABEIRA — Os militantes daquele período realmente foram muito torturados. Talvez tenha sido um dos capítulos mais negros da História do Brasil em termos de violência. Mas é importante pensar também nas centenas de milhares de pessoas anónimas que não tinham nem o poder do discurso, completamente perdidas alí, que de repente foram colhidas na malha.

    Ziraldo — E que nunca vão denunciar isso.

    GABEIRA — Nunca serão entrevistadas pelo PASQUIM.

    Geraldo — E se disserem, ninguém vai acreditar.

    GABEIRA — Essas pessoas simbolizam o que houve no Brasil.



    As Grandes Entrevistas do Pasquim
    episódio onze: Gabeira
    reprise terça às 16:30
    reprise domingo às 11:00
    Canal Brasil

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