plantão no HFAB
de ALEXANDRE PAZ FERREIRA
Rohypnol, rupinol, flunitrazepam, boa-noite-cinderela. O famigerado “roofie”, pra quem já assistiu ao filme The Hangover (Se Beber Não Case). É um medicamento benzodiazepínico, potente indutor do sono, relaxante muscular, que gera amnésia. Frequentemente traficado para uso ilegal.
Ontem por volta das 17h uma garota de onze anos (onze anos!) estava
numa festa com colegas de escola. Sem se dar conta, foi intoxicada com o
flunitrazepam e repetidamente estuprada.
Eu, sonolento, de cabelo bagunçado, por volta das 5h da manhã de hoje, no meu plantão fazendo um trabalho muitas vezes repetitivo que é o de pronto-socorro pediátrico. Nossas histórias se cruzam.
Entram na minha sala um senhor numa cadeira de rodas – o pai – e a tal menina. Ouço a história. A infectologia me ensinou toda a teoria que eu precisava saber pra realizar tal atendimento.
Enquanto o pai relata o ocorrido, calmamente e sem muitos detalhes, eu começo a vasculhar a minha mente sonolenta em busca de informações úteis. HIV, hepatite B, doenças, gravidez. Gravidez! Numa menina de onze anos! Percebo que na prática eu precisava de mais informações pra fazer aquele atendimento bem-feito. Precisava de muito mais que o protocolo médico me ensina. A teoria foi pouco. Precisava achar uma palavra de consolo pra dizer. Amor, esperança, sei lá. Precisava dizer algo positivo para aquela criança (sim, criança).
O que a minha mente exaurida encontrou pra dizer foi apenas que ela nunca deixasse que ninguém a fizesse acreditar que a culpa era dela. A culpa é do praticante do estupro, não da vítima. Nunca da vítima. Foi isso que eu disse.
Por algum motivo naquela hora também me veio à cabeça o projeto de lei que tramita no nosso estimado congresso, de autoria da nossa estimada bancada religiosa, composta por homens de bem, que limita o atendimento de vítimas de estupro pelo SUS.
É, minha amiga. Ajudei-te no que pude e consegui. Sei que o que fiz foi muito pouco. Você hoje viveu, cedo demais, o pior aspecto que se pode imaginar em ser mulher. Tenha força. Pode até ser que você não engravide, ou pegue AIDS, mas você vai carregar esse dia nas costas pelo resto da vida. Tenha força.
Quanto a mim, eu terminei o atendimento, fechei a porta do consultório e chorei como há muito não fazia. E fui pra casa escutando Beatles no último volume, pra tentar lembrar que ainda existe amor no mundo.
Eu, sonolento, de cabelo bagunçado, por volta das 5h da manhã de hoje, no meu plantão fazendo um trabalho muitas vezes repetitivo que é o de pronto-socorro pediátrico. Nossas histórias se cruzam.
Entram na minha sala um senhor numa cadeira de rodas – o pai – e a tal menina. Ouço a história. A infectologia me ensinou toda a teoria que eu precisava saber pra realizar tal atendimento.
Enquanto o pai relata o ocorrido, calmamente e sem muitos detalhes, eu começo a vasculhar a minha mente sonolenta em busca de informações úteis. HIV, hepatite B, doenças, gravidez. Gravidez! Numa menina de onze anos! Percebo que na prática eu precisava de mais informações pra fazer aquele atendimento bem-feito. Precisava de muito mais que o protocolo médico me ensina. A teoria foi pouco. Precisava achar uma palavra de consolo pra dizer. Amor, esperança, sei lá. Precisava dizer algo positivo para aquela criança (sim, criança).
O que a minha mente exaurida encontrou pra dizer foi apenas que ela nunca deixasse que ninguém a fizesse acreditar que a culpa era dela. A culpa é do praticante do estupro, não da vítima. Nunca da vítima. Foi isso que eu disse.
Por algum motivo naquela hora também me veio à cabeça o projeto de lei que tramita no nosso estimado congresso, de autoria da nossa estimada bancada religiosa, composta por homens de bem, que limita o atendimento de vítimas de estupro pelo SUS.
É, minha amiga. Ajudei-te no que pude e consegui. Sei que o que fiz foi muito pouco. Você hoje viveu, cedo demais, o pior aspecto que se pode imaginar em ser mulher. Tenha força. Pode até ser que você não engravide, ou pegue AIDS, mas você vai carregar esse dia nas costas pelo resto da vida. Tenha força.
Quanto a mim, eu terminei o atendimento, fechei a porta do consultório e chorei como há muito não fazia. E fui pra casa escutando Beatles no último volume, pra tentar lembrar que ainda existe amor no mundo.