Swiisleaks: Pressa e desvario
De Alberto Dines:
Na verdade estamos assistindo a uma encenação jornalística absurda,
desatinada, claramente cínica, hipócrita, ardilosa. O SwissLeaks
brasileiro beira a indecência. A lista publicada na segunda-feira (23/3)
pelo Globo e pelo blog do UOL com celebridades do show-business
misturadas a figuras emblemáticas de nossa cultura desmoraliza o
jornalismo investigativo e o jornalismo como atividade com fé pública.
Ambos estão na sarjeta.
Tom Jobim morreu há 10 anos, sua conta no HSBC está zerada. Jorge Amado
e Zélia Gattai estão mortos há 14 e 7 anos, respectivamente. A conta
dos falecidos e de seus herdeiros foi fechada em 2003, há 12 anos. Qual a
intenção de enfiá-los no escândalo? Exibir imparcialidade, coragem,
estoicismo?
Na entrevista da jornalista argentina Marina Walker Guevara,
diretora-adjunta do Consórcio Internacional de Jornalistas
Investigativos, publicada pelo Globo (domingo, 22/3, pág. 12), ela declara:
“Não interessa revelar a conta secreta de pessoas comuns, que são
irrelevantes e não influenciam no destino do país nem na opinião. (...) O
trabalho do repórter é justamente pegar essa base de dados [a lista dos correntistas]
e aplicar sobre ela critérios de interesse público, avaliando que
pessoas devem entrar em reportagens e que pessoas não precisam ser
expostas” (ver íntegra aqui).
Antes, em 4 de março, a Folha de S.Paulo publicou um texto da
mesma diretora da mesma entidade em termos ainda mais claros: “Fomos
questionados por não publicarmos as listas completas. Mas somos
jornalistas investigativos, não vazadores de dados, ou ativistas, ou um
órgão governamental” (ver “Jornalismo e interesse público”).
Estaria querendo dizer que um eventual ilícito fiscal só interessa
quando configura um ilícito legal? Neste caso, está desaprovando o
trabalho dos seus parceiros brasileiros.
A mensagem de Marina Walker Guevara, da direção do ICIJ (na sigla em inglês),
defende expressamente um “jornalismo lento”, exercido com
responsabilidade e precisão, a serviço do interesse público, voltado
para intervir em “esquemas sistêmicos”. A técnica da lama no ventilador
adotada até agora aponta na direção oposta – pelo primarismo, pressa e
desvario, escancara fundadas suspeitas.