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    segunda-feira, março 31, 2008

    Gláuber Rocha é uma merda?

    A idolatria incondicional é comum entre adolescentes, e fãs fanáticos,
    alguns dos quais crescem mantendo a adoração adulativa intacta por seus ídolos.
    imãs imantados de imortalidade.

    De artistas, criadores, espíritos irrequietos (ou que deveriam ser)
    não se espera tal postura
    da hagiografia dogmática de outros colegas artistas
    elevados a eleitos sacrossantos.

    Foi ridícula portanto a ira santa
    promovida entre alguns intelectuais diante da afirmativa jocosa-iconoclasta do humorista Marcelo Madureira,
    que mandou num debate público num cinema:
    - Gláuber Rocha é uma merda!

    Para terem idéia do ridículo dos doi-dóis,
    leiam o artigo abaixo publicado em O Globo
    (que logo pinçou a frase e a promoveu a outro patamar, com destaques, à guisa de polemiza):


    Glauber no ventilador


    Diretores comentam e respondem frase polêmica de Marcelo Madureira sobre cineasta, que será lembrado em ato de desagravo hoje na ABI

    - Leonardo Lichote

    ‘Glauber Rocha é uma merda”. A frase, dita por Marcelo Madureira há alguns dias num debate sobre humor no Cine Odeon e reproduzida aqui no GLOBO na coluna de Ancelmo Gois, não foi recebida com risos por admiradores do diretor. Procurados pelo GLOBO para dar sua opinião a respeito da declaração, cineastas, contemporâneos do baiano ou jovens, rebateram as palavras do “Seu Casseta”. A família do diretor decide se vai ou não processar Madureira. E uma sessão de “Deus e o diabo na terra do sol” em desagravo a Glauber será realizada hoje, às 18h30m, na Associação Brasileira de Imprensa.

    — Espero que alguém vá — provocou Madureira, antes de desenvolver sua opinião sobre o cineasta. — Não disse que Glauber é uma merda, e sim que seus filmes são. Com exceção de “Di”, acho todos muito chatos, assim como quase todo o Cinema Novo, em geral filmes mal editados, mal filmados, que nem os cineastas entendiam. Mas gostava muito da pessoa dele, sua atuação como intelectual, acho “Abertura” (vanguardista programa de TV apresentado por Glauber em 1979 e 1980) sensacional, tenho alguns gravados. Essa é apenas minha modesta opinião, podem concordar ou não. Foi uma provocação também. Afinal estava num debate, queria me animar

    Para Cacá, houve um erro no tom

     Organizador do ato de desagravo, o crítico de cinema Dejean Magno Pellegrin, amigo de Glauber, acredita que não poderia simplesmente aceitar o que ele considerou uma ofensa ao cineasta: — As pessoas não podem dizer o que querem e ficar por isso mesmo. Daqui a pouco alguém fala que Niemeyer é uma merda. Mas o ato é a favor de Glauber, não é contra ninguém. Não citarei o nome desse respeitoso intelectual — diz. — Não é à toa que ele tem dois Ms no nome. Na mesma linha, o diretor Cláudio Assis ataca: — Ele falou isso para promover o “Casseta e Planeta”, isso sim uma merda. Quer aparecer como inteligente, mas não é ninguém. Não sou desses que acham que Glauber é Deus, mas ele morto é mil vezes mais vivo que Marcelo.

    Madureira, que conta estar recebendo solidariedade das pessoas nas ruas por sua frase, diz não se surpreender com a reação de Assis: — Ah, quem gosta de “Amarelo manga” (de Assis) gosta de Glauber. Esse filme também é um saco, a única coisa boa é Matheus Nachtergaele. Assis não passa de mais um desses beletristas nordestinos Amenizando a temperatura do debate, Cacá Diegues diz que Madureira errou no tom: — Todo mundo tem o direito de ter a opinião que bem entender sobre Glauber. Mas expressá-la desse modo é um desrespeito infantil e uma agressão desnecessária. Mas Madureira é um humorista, não é para ser levado a sério, pois não é possível que ele não saiba da importância do Cinema Novo e mais especialmente de Glauber para os cinemas modernos do Brasil e do mundo.

    Madureira não vê essa importância no Cinema Novo. A consagração do movimento veio, nas palavras do humorista, “graças a intelectuais europeus que viram ali algo exótico”. Os intelectuais brasileiros teriam embarcado deslumbrados. Lembrando que acompanhou Glauber numa defesa de tese sobre sua obra em Sorbonne (“Roland Barthes estava na banca”), o cinemanovista Paulo Cézar Saraceni diz que o diretor “deveria receber bustos, homenagens, e não palavras como essas”. O cineasta seria, portanto, intocável? Nas falas dos diretores, frases como a de Saraceni — ou “o valor da obra dele não está em questão” (Bruno Safadi, cineasta-revelação que diz se espelhar em Glauber, entre outros) e “(Glauber) é bom e pronto, isso é consagrado” (Cláudio Assis) — sugerem que sim. Mas todos eles são unânimes em afirmar que o baiano pode sim ser contestado, mas com respeito — o que, apontam, faltou nas palavras do humorista. Alguns vão mais longe e chegam a desautorizar a opinião de Madureira. — Para criticar Glauber, é necessário que se tenha dado alguma contribuição à cultura brasileira — argumenta Pellegrin. — Se Ferreira Gullar dissesse algo assim, o que nunca aconteceria, seria outra coisa

    Madureira diz que Glauber o apoiaria

     A sessão de desagravo tem o apoio de cineastas como Diegues (“Ainda bem que existem cinéfilos como Dejean, dispostos a contestar o equívoco, embora Glauber não precise de nenhuma reparação para sobreviver a uma afirmação tão desastrada”, argumenta). Para outros, porém, a resposta parece um tanto exagerada. — Ele falou de um papa, de forma grosseira, e isso chama atenção. Mas não se deve criar tanta histeria em torno disso — pondera Safadi. — Os filmes de Glauber estão aí para serem adorados e criticados. Ele não queria que sua obra fosse unânime. Em meio ao debate, os dois lados cogitam como o baiano reagiria. Pellegrin defende que “Glauber quebraria ele”. Já o humorista acredita que teria seu apoio: — Quando Glauber falou que Golbery era um gênio, os intelectuais também o atacaram — lembra.


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