PALAVRAS
Você tinha que levar esses pedaços de papel quando ia às compras, se bem que quando eu tinha uns nove ou dez anos as pessoas usavam cartões de plástico. Mas não para comprar comida, isso veio depois. Parece tão primitivo, totemístico até, como conchas de caurim. Devo ter usado esse tipo de dinheiro eu mesma, um pouquinho, antes de tudo passar pro Compubanco.
Acho que foi assim que conseguiram fazer isso, do jeito que fizeram, de uma vez só, sem ninguem saber de antemão. Se ainda existisse o dinheiro portátil, teria sido mais difícil.
Foi depois da catástrofe, quanto mataram o presidente e metralharam o congresso e o exército decretou estado de emergência. Na época, puseram a culpa nos fanáticos islâmicos.
Fiquem calmos, disseram na televisão. Tudo está sob controle.
Fiquei estupefata. Todo mundo ficou, sei disso. Era duro de acreditar. O governo inteiro, sumiu assim. Como conseguiram entrar, como aconteceu?
Foi quando suspenderam a Constituição. Disseram que seria temporário. Não havia nem tumultos nas ruas. As pessoas ficavam em casa de noite, vendo televisão, procurando alguma direção. Não havia nem um inimigo para o qual se pudesse apontar o dedo...
As coisas continuaram naquele estado de animação suspensa por semanas, embora algumas coisas tivessem acontecido. Jornais foram censurados e alguns foram fechados, por razões de segurança, disseram. Começaram a surgir os bloqueios nas estradas, e os Identipasses. Todos aprovaram aquilo, pois era óbvio que todo cuidado era pouco. Disseram que novas eleições seriam realizadas, mas que sua preparação levaria algum tempo. A coisa a fazer, disseram, era prosseguir como antes...
- Margaret Atwood
"O Conto da Aia"
pub. em 1985
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