REQUIEM POR UM ESCRITOR
Na semana passada partiu Hubert Selby Jr.
Pegou a ultima saida
não para o Brooklyn mas para algum lugar que nós pelo menos daqui não sabemos qual é.
Era um puta escritor que tinha um domínio da linguagem e um domínio da vida
embora essa lhe fugisse bem cedo quando foi dado por morto
disseram que nao sobraria nada de seus pulmoes carcomidos e lhe deram um mes de sobrevida.
Morreu 48 anos depois.
Um dominio da fluencia da linguagem das ruas que conhecia tão bem. Era um de meus favoritos. Tenho uma ligação com sua figura - além de ter lido Last Exit do Brooklyn com 13 anos e ter ficado chapado - através da Editora Rocco, que nos anos 80 me chamou pra organizar uma coleção de literatura marginal americana.
Bukowski fazia muito sucesso pela Cia das Letras e acho que queriam ir nessa onda. Era a minha praia mesmo e o primeiro que indiquei foi Selby.
Não conseguimos os direitos de Last Exit e então contratamos Requiem for a Dream. Um texto fortissimo sobre drogas (de todo o tipo) e a sociedade de consumo, narrada quase em stream of consciousness, tão pauleira que quase não pausa nem pra pontos nem parágrafos.
Como sua tradução era menos complicada, o segundo livro da coleção saiu primeiro, era Tanto Tempo na Pior que o que Pintar é uma Boa, de Mark Farina, um clássico da contracultura americana pós-beat pré-hippie.
Em seguida saiu Requiem por um Sonho.
A coleção não deu muito certo, vendeu mal, não sei, foi pouco divulgada, tallvez também minhas traduções tenham sido radicais, dificeis de ler, sei lá (a editora queria que eu organizasse melhor o texto separando-o em parágrafos ou pelo menos pondo aspas ou travessões quando os personagens falavam). No original de Requiem só se sabe quem está falando porque cada personagem tem maneirismos diferentes de falas pois os diálogos emendam direto uns nos outros e com a narração.
O próximo autor seria Nelson Algren, outro ídolo meu, O Homem do Braço de Ouro. Mas ficou por isso mesmo. Eu saí da Rocco e minha vida tomou outro rumo.
Vocês que nasceram agora talvez conheçam Selby indiretamente pelos discos que gravou com Henry Rollins (ex- Black Flag) ou dos filmes Noites Violentas no Brooklyn, com Jennifer Jason Leigh, e do excelente Requiem por um Sonho, do Aronovsky.
Selby é o cara que dizia
Quanto encosto o dedo numa tecla uma parte de mim cria vida que eu nem sabia que existia.
Ou que escreveu
Ser artista não exige muito, apenas tudo que você tem. O que significa, é claro, que enquanto o processo te dá vida, também lhe traz cada vez mais perto à morte. Mas tudo bem. Ambos são um só e não podem ser evitados ou negados. Então quando abraço por inteiro esse processo, essa vida/morte, e me abandono a ele, trascendo toda essa falação sem sentido e vou pra farra com os deuses. Me parece que isso vale o preço do ingresso.