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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)


  • sábado, abril 03, 2004

    O MEU 64

    Onde voceh estava no dia do golpe? foi durante alguns anos nosso arremedo do joguinho americano de onde voceh estava quando kennedy foi assassinado.
    Depois foi substituído por onde você estava na noite do AI-5 e mais depois ninguem se lembra muito nem do golpe de 64 quanto mais o que fazia naquele dia pois nem tinha nascido
    e agora estão aí essas celebrações de 40 anos da Redentora
    pululando de mistificações e distorções dos fatos

    e onde eu estava mesmo?

    Passando por uma ruela de terra na Rural Willys com meu pai.
    Eu adorava essa marca de carro, ideal para as estradas esburacadas e enlameadas por onde a gente transitava.
    Uma vez meus pais, malucos, enfiaram quatro adultos e cinco crianças numa Rural Willys e viajamos dias e dias e dias para irmos conhecer a construção de Brasília.

    A versão de 64 era verde embaixo e branca em cima. (Tivemos azuis e brancos, uma marrom e branco...).

    Fomos parados por um contingente de soldados de marrom e com aquelas cuias na cabeça de fuzis em punho que passavam correndo a pé e comendo poeira.
    Apontaram as armas para nós e nos mandaram descer do carro com as mãos na cabeça.
    Me lembro nitidamente das palavras pronunciadas por um deles porque me pareceram completamente sem sentido:

    - Estamos confiscando esse veículo em nome da Revolução!!

    Os soldados se amontoaram no carro, com nossas coisas lá dentro, e foram embora. Nos largando ali pra irmos a pé para casa, a muitos quilômetros dali. Comendo a poeira da Redentora.

    Andamos muito, meu pai nervoso, pegamos carona num caminhão e chegamos em casa onde os vários agregados que moravam lá se reuniam em volta do rádio preocupados.

    Não adiantou meu pai argumentar que era líder da igreja tal e conhecia fulano e sicrano e nem se impressionaram com o fato dele ser americano. Tinham pressa, não queriam mais marchar a pé em direção ao seu destino golpista.

    Não se impressionaram nem importunaram meu pai por ser americano nem pelo trabalho social que desenvolvia. Naquela época felizmente não tinha a ligação com os sem-terras . Mas em Governador Valadares havia alguns outros americanos que chegaram por aqueles dias, tipos estranhos que estranhamente partiram quando a resistência ao golpe foi dizimada.

    E tinha o Mr. Simpson (nenhum parentesco com Homer ou Marge).
    Tipo físico de galã da II Guerra Mundial. Agente da CIA operando em GV junto com os latifundiários e políticos conservadores para preparar uma reação armada às reformas de base anunciadas por Jango.

    Mr. Simpson morava há alguns anos em GV e parece que operava por toda a região do Rio Doce. Embora nitidamente meu pai não compartilhava das mesmas idéias que ele, Simpson o respeitava muito. E como eram dois forasteiros naquele região inóspita e fronteiriça, Simpson apreciava poder conversar em inglês e rememorar coisas da terra natal com meu pai. E acabava por confidenciar coisas que não devia.
    (Havia apenas uma outra família americana no GV de então, fora os Goodwins e os Simpsons. Mas eles eram judeus e muito ricos e naturalmente Mr. Simpson os desprezava).

    Assim meu pai foi acompanhando - e eu, anos depois, soube - como a CIA empreendeu sua guerra de propaganda na região, insuflando as emoções, e treinando e passando armamentos para as milícias dos jagunços. E derramando ali muitos dólares para estancar e tirar dos trilhos a História Brasileira.

    A cabeça de Chicão, líder dos camponeses, ficou espetada num poste na entrada principal de um latifúndio que ele tinha invadido.

    Então não me venham falar agora que os americanos não tiveram participação no golpe que derrubou João Goulart e detonou essa merda que emporcalhou o país por décadas. Que no máximo pensaram, só pensaram, em mandar um porta-aviões fazer farol no litoral brasileiro. Lincoln Gordon, me desculpe, mas sou testemunha da história. De um pedacinho mínimo, mas eu estive lá.

    Meu pai procurou Mr. Simpson e conseguiu nosso carro de volta. Mas nós, todos nós, esse país, essa nação que seria triunfante, continuamos a pé, comendo poeira.

    E para mim é apenas justiça histórica que atualmente tantos valadarenses tentem penetrar no Império para sugar um pouquito de dólares e conseguir, na labuta ou na malandragem, o que consideram uma vida decente.
    Quando mandam um dinheirinho pra família que ficou pra trás, no calorão de Governador Valadares, não é remessa de dólares. É indenização indireta.



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