ONDE VOCE ESTAVA QUANDO KENNEDY FOI ASSASSINADO?
O titulo acima eh uma das perguntas seminais do nosso tempo.
40 anos depois, está um tanto em desuso, mas por décadas foi um tópico de conversas, a ser sacado em vazios de assuntos.
A geração atual terá seu equivalente de impacto noticioso com: Onde você estava quando derrubaram as Torres Gêmeas...
No caso do assassinato de 22 de novembro de 1963 a sensação comunitária ao se responder à pergunta era reforçada por vivermos então os primórdios da aldeia global, onde um fato como este poderia ser compartilhada simultaneamente em díspares rincões.
O meio era uma novidade.
E a mensagem era uma novidade.
Não se matavam pessoas ao vivo na TV.
Não se eliminavam presidentes abertamente.
A violencia gráfica não fora disseminada no cotidiano de nossas vidas.
Bem, mas hoje fazem 40 anos.
Onde eu, especificamente, estava?
Numa sala de aula. Bem nos intestinos do império, dentro do interior da besta, esse país governado por um líder novo e audaz e bonitão que, ceifado subitamente, se esfarinhava diante dos olhos de uma nação atônita.
Eu estava na aula. Uma diretora entrou, aos prantos, e anunciou: The president has been shot! Não se falava ainda que ele tinha morrido. Aliás, nem se sabia disso ainda. Mas um atentado desse nível ao comandante supremo da nação era suficiente pra suspender as aulas e irem todos correndo pra casa.
Não faltaram, claro, naquela terra mergulhada em paranóias, a suspeita de que o ataque seria necessariamente seguido por um ataque nuclear e portanto foi-nos enfatizado que deveriamos ir imediatamente pra casa e nos abrigarmos - com uma TV pra acompanhar os fatos - num shelter ou basement.
Portanto quando anunciaram que Kennedy levara um tiro todas as crianças aplaudiram! Hoje não tinha mais aula! Um equivalente ao Thank you, Hitler do filme "Hope & Glory".
Mas na proxima segunda quando as aulas recomeçaram haviam ainda algumas crianças vibrando, refletindo a euforia de seus pais em casa. Apesar da aura gloriosa que se construiu em torno do mito camelotiano, no interior da Amerika John Kennedy nao era exatamente um deus.
Me lembro de um garoto branquelo e balofo me dizendo:
I?m glad that nigger lover got what was coming to him!
Já em nossa família, estreitamente ligada aos democratas, foi como se um parente fora eliminado. O choque e o luto eram totais. Meu tio que morava em Washington proximo ao poder nos telefonou dando detalhes. Soubemos que Jack tinha morrido e que Jackie estava viuva. Todo mundo grudado em frente à TV.
Eu era um menino de 10 anos e logo perdi o saco praquelas imagens que se repetiam jah que as noticias eram escassas. Depois eu veria dias e dias do drama, o enterro onde John-John fez uma continencia inocente, Jack Ruby matando Lee Oswald em frente às câmeras, etc. Mas naquele fim de tarde eu não tinha mais aula e queria mesmo era ir pra rua brincar com os outros colegas folgazãs. As ruas pacatas ali eram ladeadas de ditches, buracos fundos para escoamento de águas, e naquelas semanas nossa onda era brincar de II Guerra Mundial em batalhas de trincheiras.
Quando escureceu voltei pra casa e tomei um esporro do meu pai pela alienação de eu não estar me dando conta de que aquilo era um momento histórico!! Foi uma das raras vezes em que me disseram pra grudar o nariz na televisão ao invés de brincar lá fora.
Depois, muito depois, é que veio tudo o mais. O atirador sobre a colina, a camera amadora de Zapruder, o outro atirador na biblioteca, as teorias, as conspirações... mas aí já era. Era outra era. Aquela terminara.