Adultização é muito mais do que erotização de crianças

JOANNA MOURA
Na última semana, um vídeo de quase 50 minutos dominou a pauta na internet. Produzido pelo youtuber Felca, o material intitulado "Adultização" expõe como vídeos inocentes publicados na internet são capturados por redes de pedófilos. E, para além disso, como pais e outros responsáveis, percebendo o potencial de monetização dessas publicações, passam a produzir conteúdos intencionalmente maliciosos ou explícitos de crianças e adolescentes.
O vídeo é tão indigesto quanto necessário. Rever a maneira como crianças são expostas em ambientes digitais é, como o próprio Felca afirma, para ontem. E o vídeo cumpre o papel importantíssimo de jogar luz sobre como atuam os predadores nas redes sociais e chama para a responsabilidade não só as autoridades como também as próprias plataformas (Meta, TikTok, Youtube etc), cujos algoritmos facilitam a atuação dos pedófilos, a classe política e, em última análise, os pais que publicam conteúdos sem nem sequer imaginar onde e como serão utilizados.
E já podemos ver a sociedade se movimentando no sentido de encontrar soluções. Só nesta semana, ao menos 32 projetos de lei foram apresentados por parlamentares com diferentes propostas para combater a "adultização infantil".
Tudo muito bom, tudo muito necessário. Porém, se você me permite tecer uma só crítica ao vídeo de Felca, eu diria que o título não corresponde ao conteúdo mostrado. "Sexualização" ou "Erotização" talvez fosse mais adequado tendo em vista os casos narrados. Mas meu problema com o título não é apenas semântico. Reduzir o significado de "adultização" a sexualização é como iniciar o tratamento de um câncer apenas em seu estágio mais avançado.
A erotização das crianças é de fato o estágio mais grave de uma doença que começa muito antes, silenciosamente, com o consentimento de pais, mães, tios, tias, escolas, programas de televisão.
As sementes da adultização são diariamente normalizadas, incentivadas. O encorajamento da vaidade em meninas, a valorização da beleza delas, o incentivo ao autocuidado na forma de unha bem-feita, pele hidratada, cabelo escovado. A valorização do ter, do consumo, do dinheiro, da produtividade, a exposição a conteúdos cujo único objetivo é vender. As risadinhas a cada sugestão de que o fulano é namoradinho da fulana, a cobrança dos adolescentes para conquistar garotas. São os comportamentos que introjetamos como "normais", mas que formam a base dessa pirâmide cujo ápice é o vídeo que dominou as redes.
Sim, a gente precisa urgentemente rever a presença de crianças e adolescentes nas redes. Mas tão urgente quanto é entendermos que adultização é tudo o que insere elementos do universo adulto —consumismo, padrões estéticos, produtividade, sexualidade— na vida de crianças e adolescentes.
Minha maior preocupação com o vídeo do Felca é que pais e mães terminem os 50 minutos achando que a solução passa apenas por prenderem o influenciador X, Y ou Z. E assim se isentem de qualquer responsabilidade sobre o encurtamento da infância de suas crianças. Acabar com a adultização e proteger a infância é dever de toda a sociedade.
FOLHA


