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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    segunda-feira, julho 07, 2025

    Régis Bonvicino odiava o efêmero e merecia mais atenção crítica no Brasil

     

     Um homem idoso está sentado à mesa, com as mãos cruzadas. Ele tem cabelo grisalho e uma expressão séria. Ao fundo, há uma pintura em preto e branco de uma mulher sentada em um sofá. A iluminação é suave, com uma lâmpada pendurada acima da mesa.

    Claudio Leal 

     

    A viagem de Régis Bonvicino (1955-2025) a Roma, em 26 de junho, seria uma fuga. Provocador de nascença, o poeta decidiu visitar a Itália por razões espirituais. Estava exausto da banalidade da vida literária, do declínio da linguagem poética e dos elogios de críticos a poetas ocos. "Chega! Cansei do efêmero. Vamos para Roma!", ele anunciou à família.
    O roteiro na "Cidade Eterna" estava traçado. Ele pretendia percorrer os lugares associados aos diretores italianos Roberto Rossellini e Pier Paolo Pasolini e comprar livros no bairro de Trastevere. "Hoje, prefiro ver os filmes de Fellini, Antonioni e Rossellini do que ler poesia", ele me disse, dias antes de embarcar. Anotações de logradouros em seu bolso: Via della Vasca Navale, 58; Viale dei Giusti della Farnesina, 6; Viale Antonino di San Giuliano, 782; Via Eufrate, 9.
    Pasolini era um nome recorrente em suas últimas conversas, inspirador pela crítica ao fascismo da sociedade de consumo e ao inofensivo consumo do antifascismo em países capitalistas. "Considero Pasolini uma coisa profética. Não entendo como ele intuía aquilo. Ele previu tudo, previu esse desastre". Da França, o artista plástico Luciano Figueiredo lhe enviou uma reportagem do "Le Monde" sobre uma nova investigação do assassinato de Pasolini, em 1975.
    No domingo, 29, o poeta caiu na esquina de seu hotel em Roma. Desorientado com a queda, que feriu sua cabeça, ele foi levado de ambulância para a enfermaria de um hospital, onde permaneceu quatro dias até ser transferido para a unidade de terapia intensiva. Morreu na manhã deste sábado, 5 de julho. Sua esposa, Darly Menconi, o acompanhava na viagem.
    O horror de Bonvicino ao efêmero passava também pela destruição da Ucrânia, da Faixa de Gaza e da Cracolândia em São Paulo, ruínas a seu ver interligadas. Ficou sem dormir depois dos bombardeios de Israel e dos Estados Unidos contra o Irã. "Do que se trata", seu último poema, concluído no mês passado, desintegrava ainda mais os cacos.
    "Helicópteros sobrevoam o bunker/ Drones carregados de explosivos/ Incêndio, corpos queimados/ Uma coluna de fumaça/ Se confunde com as nuvens/ O pássaro faz uma rasante/ Diabos de todos os tipos/ Uma tenda ao lado da igreja/ O carrasco dizia:/ "O imperador Maximiliano/ Quando avistava uma forca/ Tirava-lhe o chapéu".
    "Minha poesia vem se afunilando nesse sentido desde ‘Página Órfã’, ‘Estado Crítico’, 'A Nova Utopia'. É a minha maior preocupação: a questão do dejeto humano e sua linguagem", ele disse.
    A ausência de saídas, ou a busca de novas vias na linguagem, apareceu em seu célebre poema do livro "Sósia da Cópia" (1983): "Não há saídas/ Só ruas viadutos avenidas".
    Na década de 1970, Régis Bonvicino encontrou interlocução com os poetas concretos Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, mas, acima de tudo, com o amigo Paulo Leminski e os compositores tropicalistas, além da artista visual Lenora de Barros. Em uma diferença com Leminski, esteve mais concentrado no diálogo com Caetano Veloso, a quem dedicou um poema: "Lavar pratos sujos/ Na pia da cozinha/ (Depois do almoço)/ Limpos/ Minha alma".
    Esse foi o universo das conversas estéticas de sua juventude. Dali em frente, perseguiu uma linguagem pessoal, afastando-se da poesia concreta, do pop da tropicália e do desejo de comunicação ampla de Leminski. Dos concretos, preservou o apego à objetividade e a fidelidade ao legado das vanguardas históricas, sem acreditar em "repressão da linguagem". A partir da década de 1990, expandiu o contato com poetas dos Estados Unidos, França, Espanha, Uruguai, Chile e México. Luciano Figueiredo virou o principal confidente de suas reflexões sobre as artes.
    "Bicho Papel" (1975), "Régis Hotel" (1978) e "Sósia da Cópia" (1983) marcaram o seu começo na poesia e seu impulso contrário à estagnação e ao relaxamento. "Seu 'Bicho Papel' arranca de outra fonte: as vanguardas dos anos 1950/1960, principalmente a poesia concreta, com Tropicália, a vertente mais fecunda da poesia ( = fazer verbal/textual) brasileira, nas últimas décadas. Perante a multiplicidade das direções, das influências, todos estamos à procura da síntese: nossa síntese = nossa poesia", escreveu Leminski, em 1978. A fortuna crítica do poeta reúne ainda Boris Schnaiderman, Caetano Veloso, Haroldo de Campos, Luiz Costa Lima, Décio Pignatari, Alcir Pécora e Eduardo Milán, entre outros.
    "Seus poemas distinguem-se por um peculiar manejo da dicção ‘coloquial-irônica’ (Edmund Wilson), que radica no lado talvez menos conhecido do Simbolismo francês (…) Poeta sobretudo urbano, capaz de sobriedade lírica, de imagem cortante e de causticidade crítica e autocrítica", analisou Haroldo.
    Era o poeta de sua geração mais admirado por Otavio Frias Filho, que foi diretor de Redação da Folha de 1984 até sua morte, em 2018. Ele abriu espaço para seus textos na Folha e ouvia suas recomendações literárias. O exercício da crítica alimentava a criação poética de Bonvicino, na voracidade com que lia, divergia, elogiava e brigava com outros intelectuais de seu tempo, confiante no poder profilático do embate cultural.
    "Eu sou mais duro, vivi coisas difíceis, não consigo deixar de dizer o que acho, o que vejo. A indústria editorial e de comunicação está matando o debate, a reflexão, a invenção etc.", ele afirmou no mês passado. "É um problema da cultura. Aqui tem toda uma falta de repertório mais alto, de indagação com a linguagem, até num sentido filosófico. Eu leio a poesia de outros países e ainda tem os dois lugares. Tem o lado convencional, lírico, e esse outro. Aqui, não".
    Depois da desistência da editora 34, ele acertou com a Quatro Cantos a reedição do livro "Envie Meu Dicionário: Cartas e Alguma Crítica" (com a correspondência de Leminski), ao qual acrescentaria um ensaio de Caetano. Pensava em devolvê-lo às livrarias a tempo da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que tem Leminski como autor homenageado.
    "A Nova Utopia", último livro de Bonvicino, merecedor de mais atenção crítica, condensa seu pensamento sobre a linguagem de um mundo sombrio. "Um rato dilacerado na pista/ Sacos de lixo abertos pela chuva:/ Não é o cúmulo, é apenas acúmulo,/ Um trovão detona a nuvem/ O que está no poema não está no mundo."
     
    FOLHA 

     

     

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