Pelo radicalismo ambiental
A crise climática revela um grave
fenômeno de dupla face. No
primeiro sentido, o aquecimento
global reduz a quantidade de oxigênio
e aumenta a concentração de gás
carbônico na atmosfera. Há uma queda
acelerada da quantidade de oxigênio nos
mares. Essa redução nas águas é consequência
de dois processos. De um lado,
a contaminação dos nutrientes, provocada
pelo arrasto, pelas chuvas, de elementos
como fósforo e nitrogênio e partículas
de plástico para os rios e dos rios
para os mares. De outro, as mudanças
climáticas, que provocam o aumento da
temperatura e do gás carbônico na atmosfera,
aquecendo os mares.
A consequência dos dois processos é a
mesma: o crescimento, em quantidade e
extensão, de zonas mortas nos oceanos,
áreas inapropriadas para a vida marinha.
A morte de espécies, sua decomposição,
também acelera esse processo. Quer dizer:
a tragédia alimenta novas tragédias.
A redução de oxigênio representa a perda
de hábitats e de biodiversidade, ameaçando
vários ecossistemas. Um número
crescente de espécies marinhas tem entrado
no rol de ameaçadas de extinção.
O segundo sentido diz respeito à perda
do oxigênio político. Os setores progressistas
da sociedade, os partidos e movimentos
de esquerda, sofrem rápidas reduções: alguns
simplesmente desapareceram, morreram.
Outros sofrem graves mutações,
capitularam, deixaram de ser antissistema
e mudaram de hábitat. Habitam agora
gabinetes, cargos e aparelhos políticos.
Camuflam seus movimentos, atacando o
neoliberalismo, epifenômeno do capitalismo,
mas deixaram de ser anticapitalistas.
O combate às mudanças climáticas não
pode mais contar com esses segmentos.
No máximo, eles adotam o discurso ESG e
do desenvolvimento sustentável, conceitos
e processos capturados pelo capitalismo
que destrói o meio ambiente. As esquerdas,
com raras exceções, tornaram-
-se a cereja do bolo da hegemonia capitalista,
emprestando a esta um lustre de legitimidade
por, supostamente, permitir
um jogo de alternativas. As ONGs ligadas
às causas ambientais travam lutas necessárias,
porém limitadas, pelo seu atrelamento
a interesses dos financiadores.
Diante desse cenário desolador, marcado
por impactos climáticos cada vez
mais devastadores e catastróficos, surge
a velha questão: O que fazer? É preciso
partir da constatação realista de que,
mesmo com todas as evidências e advertências
acerca das tragédias, os progressistas
e as esquerdas fugiram para o capitulacionismo
cínico da vida passiva. A indiferença
de quem deveria liderar, e que
é pago para liderar, aprisionou as potências
das lutas e das mobilizações para
tentar salvar o planeta e a vida. Não resta
alternativa para quem quer estancar
a marcha para o abismo senão tomar as
ruas e praticar atos radicais de resistência
civil contra a destruição ambiental.
Na medida em que o mundo parece caminhar
cada vez mais para um beco sem
saída, empurrado pelas ações criminosas
dos grandes capitalistas, dos governos
e a passividade dos grupos políticos
e da sociedade em geral, cresce cada vez
mais o radicalismo ambiental na Europa
e nos Estados Unidos. As mulheres são
a maioria, cerca de 60%, dos integrantes
de grupos e movimentos que adotam táticas
radicais. Cresce também o número
de cientistas que apoiam e se engajam
nessas atividades. Na Alemanha, vários
deles organizaram um movimento em
prol da rebelião e da resistência civil contra
as mudanças climáticas.
Não se trata de abandonar a pesquisa
e a ciência, mas elas precisam do apoio
do radicalismo ativista para ser ouvidas.
As táticas do ativismo radical ambiental
são variadas: interrupção de eventos
públicos, marchas lentas, jogar tinta em
obras de arte, furar pneus de carros movidos
a óleo diesel, provocação de tumultos,
exposição pública de políticos negacionistas,
bloqueio de agências bancárias,
protestos de impacto em aeroportos,
prédios governamentais e outros lugares
de grande circulação, interrupção
de eventos esportivos e bloqueio de grandes
vias, entre outros.
Os objetivos do ativismo ambiental radical
são e devem ser politizados. Além
de plataformas com os temas centrais de
defesa do meio ambiente, entram no rol
das mobilizações a pressão sobre os governos
para mais ações e recursos destinados
ao enfrentamento da crise climática
e pelo freio à produção de combustíveis
fósseis, medidas de bloqueio da destruição
de florestas, rios e ecossistemas,
políticas públicas de adaptação, resiliência
e regeneração nas cidades e no campo,
adoção de práticas sustentáveis nas empresas
e na agricultura, proteção aos povos
originários e atenção e apoio aos grupos
sociais mais vulneráveis. No Brasil, o
ativismo ambiental radical precisa pôr-
-se em marcha com urgência.
CARTA CAPITAL