Pânico se instala, imigrantes evitam hospitais e crianças temem ir à escola
JAMIL CHADE
Um comunicado enviado por um grupo de mulheres brasileiras nos EUA dá a dimensão da crise que os estrangeiros vivem, uma semana depois da posse de Donald Trump. Diante de suas medidas, os relatos são de um pavor instaurado na comunidade de imigrantes, principalmente depois da divulgação das imagens de estrangeiros algemados e conduzidos para aviões como terroristas.
O Brazilian Women's Group, uma rede de apoio para mulheres brasileiras no país, constatou em uma mensagem a seus membros:
A primeira semana da administração Donald Trump chega ao fim com um saldo trágico: mais de 500 imigrantes arrebanhados no trabalho, dezenas colocados em avião do exército para serem deportados, crianças com medo de ir para a escola, mulheres aterrorizadas de saírem de casa, homens e mulheres doentes mas sem coragem de procurar tratamento médico". Segundo elas, "o medo e pânico se instalaram em nossas comunidades.
Em grandes cidades, como San Antonio, no Texas, restaurantes já registram a ausência de seus funcionários, que temem ir ao local de trabalho. Nos primeiros dias após sua vitória, Trump sinalizou que as operações para flagrar os imigrantes seriam em seus empregos.
"Estou sem dois de meus funcionários de cozinha", contou David Gross, dono de um restaurante de carnes da cidade. "Eu não seI como isso vai dar certo", admitiu.
De fato, em Nova Jersey, uma operação que prendeu imigrantes numa empresa de peixes teve um profundo impacto na comunidade, inclusive entre brasileiros. "Foi uma bomba atômica", contou o brasileiro Roberto Lima, que vive na região. O mineiro de 62 anos chegou aos EUA em 1984. Quatro anos depois, era residente legal e, em 1993, ganhou a cidadania americana.
"O governo demonizou o imigrante de maneira covarde", disse. "Deportar imigrante indocumentado é fácil para ele. Quero ver reduzir o preço do ovo, do leite, da carne", disse.
O medo não afeta apenas brasileiros. O pastor mexicano Luis Valles, de um centro evangélico no Harlem, contou à reportagem que passou a semana recebendo ligações de sua congregação. "As pessoas estão com muito medo, principalmente as mulheres grávidas", disse.
Uma das medidas de Trump foi a de impedir que crianças que nascem nos EUA de mães em condição irregular recebam a cidadania americana. A lei foi barrada temporariamente nos tribunais. Em 2024, 230 mil crianças nasceram nos EUA de pais em condição de irregularidade.
Mas, segundo o religioso, o impacto tem sido o de afastar essas mulheres de consultas de pré-natal.
O grupo de mulheres brasileiras faz um alerta. "Isso é exatamente o que o governo quer: criar pânico e nos dividir para que não nos organizemos, não nos informemos, não nos juntemos", disse no comunicado.
"Nós somos muito mais do que isso, nós sabemos que o medo e o isolamento não nos tornarão mais seguras", apontam. "O pânico não vai nos proteger. Espalhar desinformação nos faz mais inseguras. Quem nos dá segurança somos nós mesmas, juntas somos poderosas e resilientes. Para superar esses tempos difíceis, precisamos estar bem informadas e preparadas para qualquer eventualidade. Saber nossos direitos nos ajuda a superar o medo", destacam.
Na comunicação, o Brazilian Women's Group afirma que "está trabalhando incansavelmente com nossas organizações parceiras e com as coalizões das quais fazemos parte para mobilizar nossa comunidade".
"Ninguém será deixado para enfrentar esta administração sozinho. Nas palavras de Clarice Lispector, ninguém é ninguém sozinho."
Grupo tenta se mobilizar
A ordem no grupo é a de agir para garantir os direitos dos estrangeiros. Para isso, oferece programas, oficinas e recursos para "capacitar indivíduos e famílias a enfrentar este ambiente desafiador".
"Trabalharemos ao lado de outras organizações comunitárias para resistir a quaisquer políticas ou práticas que ameacem os direitos, a segurança ou a dignidade das comunidades imigrantes", anunciaram.
Orientações
Diante do medo instalado entre os imigrantes, a entidade ainda desenhou um plano com orientações aos brasileiros.
Não se isole: Isolar-se do seu trabalho, amigos e família não a tornará mais segura. Reserve tempo para convidar amigos ou familiares para um café, procure seus colegas de trabalho e vizinhos, entre em contato conosco.
Não espalhe desinformação: Embora seja bom compartilhar o que você sabe, espalhar desinformação pode causar pânico e medo desnecessário. Se você receber alguma informação, verifique de onde ela vem. Se não tiver certeza se pode confiar, entre em contato conosco, e podemos verificar por você.
Não entre em pânico: Temos recursos e orientações para qualquer situação que você esteja enfrentando ou qualquer medo que tenha. Se você está passando por um momento difícil e não sabe o que fazer, procure-nos.
Tenha orgulho: Ser imigrante não é crime. Não ter status imigratório não é crime. Lembre-se de que você merece estar aqui. Cada membro de nossa comunidade é importantíssimo, sem exceção. Somos nós.
A mensagem termina com um declaração de resistência:
"Nós não somos criminosas, somos trabalhadoras e trabalhadores, que contribuem para fortalecer e enriquecer econômica e culturalmente as comunidades onde vivemos".
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